Eixo intestino-cérebro: Qual é o papel da microbiota?

Considerado o “segundo cérebro”, o nosso intestino dialoga constantemente com o nosso cérebro e vice-versa. É a isso que chamamos eixo intestino-cérebro. A disfunção deste eixo poderá estar implicada em grande número de perturbações gastrointestinais, doenças metabólicas, doenças neurodegenerativas e doenças neuropsiquiátricas, bem como em certas doenças de pele...

Nesta página, contamos tudo sobre o eixo intestino-cérebro, a sua descoberta, o papel da microbiota, como essa comunicação pode ser interrompida e quais as doenças associadas. E também como podemos intervir nele.

Publicado em 04 Outubro 2023
Atualizado em 10 Junho 2024
Everything you need to know about the microbiota gut-brain axis

Sobre este artigo

Publicado em 04 Outubro 2023
Atualizado em 10 Junho 2024

Sumário

Sumário

Imagem

Para começar, um pouco de anatomia

100 milhões O sistema nervoso do intestino contém mais de 100 milhões de neurónios

O cérebro

Órgão complexo, o cérebro1,2 é capaz não só de integrar informações provenientes de todas as partes do corpo, mas também de controlar o pensamento, a memória, as emoções, o tato, a motricidade, a visão, a respiração, a temperatura, a fome e todos os restantes mecanismos que regulam o nosso corpo. Graças a uma rede interligada de 100 mil milhões de neurónios, o cérebro é o verdadeiro regente de orquestra do nosso corpo.

O que é o sistema nervoso?

O sistema nervoso3  é composto por duas partes principais:

  • Sistema nervoso central, composto pelo cérebro e pela medula espinal.
  • Sistema nervoso periférico, constituído por nervos que vão da medula espinal a todas as partes do corpo.

O sistema nervoso transmite sinais entre o cérebro e o resto do corpo, incluindo os órgãos internos.

O sistema nervoso entérico (SNE), um "segundo cérebro" no seio dos nossos intestinos4,5

O sistema nervoso entérico (SNE) é o sistema nervoso específico do intestino. Constituído por uma rede de neurónios que revestem as paredes do trato gastrointestinal, controla a atividade sensorial, motora, secretora e imunitária do sistema digestivo.

Está com borboletas no estômago? Sente um nó nas tripas? Ou será que ler este artigo lhe dá dores de barriga?   Existem estas e tantas outras expressões populares que fazem parte da nossa linguagem quotidiana e que refletem, sem que nos apercebamos, a existência de uma ligação entre o cérebro e a barriga.

Já sabia?

Diz-se que o intestino é o nosso segundo cérebro, mas sabe porquê?5,6

É porque o sistema nervoso do intestino contém mais de 100 milhões de neurónios e é muito semelhante ao cérebro em termos de complexidade e de funcionalidade (neurotransmissores e moléculas sinalizadoras).

Era uma vez o eixo intestino-cérebro

Historicamente, o primeiro relato documentado de uma possível ligação entre o intestino e o cérebro remonta ao século XIX.7

Foi um comerciante de peles que, apesar de tudo, fez avançar a ciência, e cujas desventuras levaram à descoberta de uma ligação entre as emoções e a fisiologia intestinal8,9. Alexis St. Martin tinha sido acidentalmente baleado no estômago à queima-roupa. Foi tratado pelo cirurgião do exército americano Dr. William Beaumont. A cirurgia terminou por deixar esse paciente com uma (sidenote: Fístula Uma fístula é uma ligação anormal entre um órgão do sistema gastrointestinal e a pele. ) e o Dr. Beaumont aproveitou para observar o intestino: a digestão humana em tempo real!!

Foi no decurso dessas suas observações que ele se apercebeu que o processo digestivo do seu paciente era afetado pelo respetivo estado emocional, quando estava zangado ou irritado, e que existia, portanto, um eixo cérebro-intestino8. Seguiram-se outros estudos científicos, os quais demonstraram que a comunicação entre o intestino e o cérebro era um processo bidirecional – do intestino para o cérebro e do cérebro para o intestino – e que a microbiota intestinal desempenhava um papel fundamental nestas trocas8,10,11.

O que é o eixo intestino-cérebro?

O eixo intestino-cérebro pode definir-se como uma rede de comunicação bidirecional entre o intestino e o cérebro, com o intestino a enviar mensagens para o cérebro e vice-versa. A comunicação efetua-se através de três canais diferentes8,12:

  1. a via neuronal (neurónios), principalmente através do nervo vago e do sistema nervoso entérico,
  2. a via endócrina por secreção de hormonas como o (sidenote: Cortisol O cortisol é conhecido como a hormona do stress. Participa na resposta ao stress, quer físico, quer emocional. O cortisol está igualmente envolvido na manutenção do equilíbrio de certas funções fisiológicas, como a tensão arterial, o sistema imunitário, o metabolismo das proteínas, dos glúcidos e das gorduras e a ação anti-inflamatória.   Katsu Y,  Iguchi T, Subchapter 95D - Cortisol. In Ando H, Kazuyoshi U, and Shinji N, eds. Handbook of hormones: comparative endocrinology for basic and clinical research. Pages 533-e95D-2 Academic Press, 2021. https://www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/B9780128010280002312       ) , a (sidenote: Adrenalina A adrenalina, também conhecida como epinefrina, é uma hormona segregada pelas glândulas suprarrenais e libertada na corrente sanguínea em caso de stress intenso, perigo ou emoções fortes. Prepara o corpo para lutar ou fugir do perigo. https://my.clevelandclinic.org/health/body/23038-adrenaline ) ou a serotonina
  3. a via do sistema imunitário, através da modulação das citocinas

O eixo intestino-cérebro afeta o nosso comportamento, a cognição (memória), as emoções, o humor, os desejos e a perceção, entre outras áreas.

90% As células do intestino são responsáveis por mais de 90% da produção de serotonina do organismo

Já sabia?

As células do intestino são responsáveis por mais de 90% da produção de serotonina do organismo – a serotonina é um neurotransmissor que pode afetar o humor e as sensações de felicidade e prazer, bem como o apetite8,13,14.Os restantes 10% são produzidos no cérebro por determinados neurónios denominados "serotoninérgicos"15. Certas bactérias da microbiota intestinal podem afetar a produção de serotonina no intestino8,16.

Imagem

A microbiota desempenha um papel na comunicação entre o intestino e o cérebro?

Pode-se dizer que a microbiota é o terceiro interveniente no eixo intestino-cérebro, também conhecido como eixo Microbiota-Intestino-Cérebro (MIC)17.

O cérebro, o intestino e a microbiota intestinal compõem os três nós da rede Microbiota-Intestinal-Cérebro. Todos os nós estão interligados uns aos outros e interagem de forma bidirecional. A microbiota intestinal pode comunicar com o cérebro diretamente através da secreção de moléculas sinalizadoras como os (sidenote: Neurotransmissores Moléculas específicas que permitem uma comunicação entre os neurónios (as células nervosas do cérebro), mas também com as bactérias da microbiota. São produzidas tanto pelas células do indivíduo como pelas bactérias da microbiota.   Baj A, Moro E, Bistoletti M, Orlandi V, Crema F, Giaroni C. Glutamatergic Signaling Along The Microbiota-Gut-Brain Axis. Int J Mol Sci. 2019;20(6):1482. ) ou os (sidenote: Ácidos gordos de cadeia curta (AGCC) Os ácidos gordos de cadeia curta são uma fonte de energia (carburante) das células do indivíduo, interagem com o sistema imunitário e estão envolvidos na comunicação entre o intestino e o cérebro.   Silva YP, Bernardi A, Frozza RL. The Role of Short-Chain Fatty Acids From Gut Microbiota in Gut-Brain Communication. Front Endocrinol (Lausanne). 2020;11:25. ) , ou indiretamente como intermediárias, interagindo com as células intestinais para comunicar com o cérebro. Da mesma forma, o cérebro pode modular a microbiota direta ou indiretamente, modulando a fisiologia do intestino para modificar o ambiente microbiano.

Quais são os fatores que podem influenciar a comunicação entre o intestino e o cérebro?

Sabe-se que muitos fatores afetam o diálogo entre o intestino e o cérebro8:

- A alimentação e, em particular, certos alimentos como o chocolate, podem regular o nosso humor. A dieta mediterrânica também é conhecida pelos seus efeitos benéficos para a memória e para a saúde em geral. Por outro lado, deve-se ter cuidado com o que se põe no prato e limitar o consumo de alimentos processados ricos em aditivos. Um estudo recente em roedores sugere que estes podem estar na origem de certos transtornos psicocomportamentais (ansiedade, sociabilidade, etc.).

- A prática regular de atividade física tem abundantes efeitos positivos na saúde. A atividade física contribuirá igualmente para a boa saúde cerebral. Múltiplos estudos científicos já demonstraram que existe uma ligação entre o nosso sistema cognitivo e o nosso nível de atividade física

- Serão as nossas interações sociais com as nossas famílias, mas também com os nossos vizinhos, que estimularão este eixo intestino-cérebro. Pelo contrário, as discriminações serão prejudiciais ao bom funcionamento do nosso eixo intestino-cérebro.

O ambiente em que vivemos é também um dos fatores com maior impacto na nossa saúde e na nossa microbiota. Assim, a poluição conduzirá a um maior risco de doenças respiratórias, cancros e problemas cognitivos. 

Certos medicamentos, e os antibióticos em particular, poderão influenciar o desenvolvimento do sistema nervoso da criança e contribuir para certas doenças.

- Estudos científicos demonstraram que os primeiros anos de vida e o tipo de parto têm um grande impacto na microbiota dos nossos filhos e, consequentemente, no seu eixo intestino-cérebro. De facto, vários estudos mostram uma ligação entre o parto por cesariana e um risco acrescido de se vir a desenvolver várias afeções, incluindo a obesidade, bem como doenças do sistema imunitário, como a asma e outras alergias.O stress pré-natal terá também impacto, não só na microbiota da criança, na sua composição e no seu desenvolvimento neurológico, mas também na gravidez, aumentando o risco de parto prematuro.18

O stress e o medo são também fatores comportamentais que afetam a nossa microbiota e no eixo intestino-cérebro.

A forma como nos comportamos estará assim ligada à nossa microbiota? É isso o que alguns estudos sugerem... Ela será uma garantia de boa saúde emocionalresponsável pela nossa libido e pelo nosso desejo. Mas também, em alguns casos, influenciará os nossos vícios e comportamentos de dependência.

- Tanto para jovens como para idosos, a microbiota intestinal também terá uma palavra a dizer no sono e no ritmo circadiano

O que é que acontece quando a comunicação entre o intestino e o cérebro é alterada?

Pensa-se que a perturbação do eixo intestino-cérebro estará envolvida em diversas doenças.

Por perturbação deste eixo, entende-se uma má comunicação entre o cérebro e o intestino: ou os sinais enviados são errados, ou as mensagens enviadas são mal compreendidas, ou são interpretadas de forma excessiva... Em suma, o par intestino-cérebro já não se entende. A investigação está a fazer progressos na compreensão do eixo intestino-cérebro e aponta para o envolvimento da microbiota intestinal numa lista crescente de doenças8,17 

Segue-se uma lista não exaustiva de doenças em que se pensa estar envolvida uma perturbação do eixo intestino-cérebro.

Examinemos mais de perto algumas dessas patologias: 

AFEÇÕES GASTROINTESTINAIS

Síndrome do cólon irritável (SCI)

A síndrome do cólon irritável (SCI) é a patologia mais frequente atribuível ao eixo intestino-cérebro, anteriormente conhecida por "doença funcional do intestino". Caracteriza-se por dores abdominais recorrentes, distensão abdominal, problemas do trânsito intestinal, etc.

Dispepsia funcional

A dispepsia funcional é uma forma de indigestão crónica - dor de estômago, sensação de plenitude ou distensão abdominal durante e após as refeições. Também faz parte das perturbações da interação entre o intestino e o cérebro.19,20

Doenças inflamatórias crónicas do intestino (DICI)

Estudos recentes mostraram o envolvimento do eixo intestino-cérebro na DICI21,22, o que pode influenciar tanto o desenvolvimento da doença quanto a saúde mental.

DOENÇAS METABÓLICAS

Diabetes tipo 2

A diabetes tipo 2 caracteriza-se por um excesso crónico de açúcar no sangue (hiperglicemia) associado a um mau funcionamento da produção ou da utilização da insulina, a hormona que regula os níveis de açúcar no sangue (ou glicemia). O declínio cognitivo é uma das complicações da diabetes tipo 2 (DMT2)23

Obesidade, excesso de peso, síndrome metabólica...

Estas patologias (obesidade, excesso de peso, síndrome metabólica) são frequentemente acompanhadas de perturbações psicológicas como a ansiedade, a depressão e a perturbação bipolar, e de alterações do comportamento metabólico.8

A microbiota influencia também o que colocamos no nosso prato, a nossa sensação de saciedade24  e os nossos comportamentos alimentares. Estudos recentes demonstram o envolvimento da microbiota intestinal e do eixo intestino-cérebro nas perturbações alimentares (que envolvem alteração ao nível da dieta ou do comportamento relacionado com a alimentação)25,26

Anorexia nervosa

A anorexia nervosa27,28 (AN) é um distúrbio alimentar que afeta 1% da população, incluindo 95% de mulheres. O desequilíbrio do metabolismo intestinal contribuirá para a evolução e a manutenção das perturbações ligadas à doença, como as perdas de apetite e de peso, agindo sobre o eixo intestino- cérebro e sobre o metabolismo.

Certas bactérias da microbiota intestinal, como Roseburia, estarão ausentes nesses pacientes.  

Quer saber se a sua microbiota influencia a medida da sua cintura?

Consulte a nossa ficha temática sobre o assunto

DOENÇAS NEUROPSIQUIÁTRICAS

Doenças psiquiátricas

As doenças psiquiátricas englobam uma série de perturbações mentais que se manifestam sob uma grande multiplicidade de formas, tendo sido identificados desequilíbrios na microbiota intestinal em algumas destas doenças.

Perturbações da ansiedade

As perturbações de ansiedade29,30,31 são definidas pela OMS como medo e preocupação excessivos e perturbações comportamentais relacionadas. Os sintomas são suficientemente graves para causarem sofrimento significativo ou uma importante incapacidade funcional. Algumas perturbações de ansiedade estarão ligadas à atividade do microbiota intestinal através da regulação das hormonas do stress.

Perturbações do humor

Depressão, doença bipolar... As perturbações do humor8,32 são perturbações emocionais que consistem em longos períodos de tristeza excessiva (depressão) ou de alegria ou euforia excessivas (mania), ou ambas.

A depressão e a doença bipolar estarão ligadas à disbiose intestinal, por vezes correlacionada com o grau de gravidade dos sintomas.

Outros estudos foram ainda mais longe, utilizando a microbiota intestinal como ferramenta de diagnóstico.

Neurose obsessiva compulsiva (NOC)

A neurose obsessiva compulsiva (NOC)33,34,35 é uma perturbação neuropsiquiátrica que afeta 1,3% da população geral. A perturbação caracteriza-se por obsessões (ideias ou imagens repetidas, persistentes, indesejadas e frequentemente geradoras de ansiedade), que levam a compulsões e/ou esquivas repetitivas e demoradas destinadas a neutralizar a ansiedade e a angústia resultantes das obsessões. Alguns estudos sugeriram que certas bactérias produtoras de butirato são menos abundantes em pacientes com NOC.

Esquizofrenia

A esquizofrenia8,36,37 afeta cerca de 1 em cada 300 pessoas. Esta doença psiquiátrica caracteriza-se pela ocorrência de delírios e alucinações, isolamento social e perturbações da vida psíquica. Pensa-se que estarão envolvidas perturbações da microbiota intestinal e do sistema imunitário.

Perturbações do espetro do autismo

As perturbações do espetro do autismo38 (PEA) são um grupo de perturbações heterogéneas associadas a anomalias no desenvolvimento cerebral. Os sintomas incluem défices de comunicação e perturbações da interação social e do comportamento, bem como comportamentos repetitivos.

Alguns estudos demonstraram que os pacientes autistas têm frequentemente a flora intestinal alterada (disbiose) e que certos distúrbios intestinais (diarreia, constipação, etc.) estão frequentemente associados à doença.

Como vimos, a disbiose intestinal tem sido identificada em várias doenças psiquiátricas, como a esquizofrenia, a depressão e a neurose obsessiva compulsiva (NOC).

Mas cada doença tem a "sua" assinatura microbiana ou existem alterações microbianas comuns? 

DOENÇAS NEURODEGENERATIVAS

As doenças neurodegenerativas caracterizam-se pela destruição progressiva de determinados neurónios.

Doença de Alzheimer

A doença de Alzheimer39,40 é a doença neurodegenerativa mais comum e a principal causa de demência.

Desde há vários anos que a microbiota intestinal suscita interesse, nomeadamente no que se refere a certas proteínas (péptidos amiloides) produzidas por bactérias "nocivas", as quais poderão desencadear um mecanismo inflamatório e perturbar as funções de barreira do intestino e do cérebro no sentido de favorecer o desenvolvimento da doença.

Doença de Parkinson

A doença de Parkinson41 é uma patologia neurodegenerativa que destrói progressivamente os neurónios dopaminérgicos do cérebro. A doença é caracterizada por lentidão de movimentos, rigidez nos músculos e tremores.

Foi demonstrada a existência de uma sua associação com perturbações da microbiota intestinal e do eixo intestino-cérebro.

Esclerose múltipla

A esclerose múltipla42,43 é uma doença inflamatória do sistema nervoso central. Caracteriza-se pela existência de uma "resposta autoimune" do sistema imunitário contra a bainha protetora dos neurónios, a "mielina". Esta inflamação vai provocar a degeneração das células nervosas, os neurónios, com perda de comunicação entre o cérebro e os órgãos periféricos.

Estudos recentes sugerem associações específicas entre a microbiota intestinal e o risco, a evolução e a progressão da doença.44

Um eixo intestino-cérebro-pele?

Sabia que?

Talvez não o saiba, mas o intestino e a pele partilham um conjunto de características comuns45: ambos contêm numerosos vasos sanguíneos e ligações nervosas, ambos interagem com o sistema imunitário e, como é óbvio, ambos são maciçamente colonizados por comunidades microbianas. Mas isso não é tudo... já reparou como a sua pele reage às suas emoções? Música, medo, excitação... e o mesmo se aplica a certas doenças dermatológicas quando o intestino, a pele e o cérebro deixam de comunicar corretamente.

Já em 1930, os dermatologistas Stokes e Pillsbury46 acreditavam que os estados emocionais (ansiedade, depressão) podiam alterar a microbiota intestinal e levar a uma inflamação local e depois sistémica noutros órgãos, como a pele47. Eles recomendavam, nessa altura, a utilização de leite fermentado para se reintroduzir microrganismos benéficos. 

Desde há alguns anos, têm vindo a acumular-se provas que sublinham a existência de uma ligação entre o intestino, o cérebro e a pele48. Mais especificamente, pensa-se que o stress levará à secreção de hormonas (serotonina, cortisol, etc.), o que provoca permeabilidade intestinal e uma inflamação local e sistémica através da corrente sanguínea11,23. Em última análise, isso terá impacto na barreira cutânea e na inflamação da pele25. Pensa-se que este eixo intestino-cérebro-pele está envolvido em determinadas patologias de pele: AcneDermatite atópicaPsoríase.

 

Como manter uma boa comunicação entre o intestino e o cérebro?

Existe um diálogo bidirecional: do intestino para o cérebro e do cérebro para o intestino, sendo a microbiota intestinal a sua pedra angular!

Mas como se pode cuidar do seu próprio microbiota para que as mensagens sejam enviadas e recebidas alto e claro?

Numerosos estudos científicos analisaram a forma de evitar qualquer perturbação da composição microbiana e de preservar o equilíbrio da melhor forma possível.49

Alimentação: 

Aquilo que comemos irá contribuir para o equilíbrio da nossa microbiota intestinal50,51. É benéfica quando os alimentos são diversificados e de boa qualidade, mas uma dieta desequilibrada pode, por outro lado, afetar a composição da microbiota intestinal e causar certas doenças52. Portanto, é importante saber quais os tipos de alimentos que têm efeitos positivos para a nossa saúde,53 como, por exemplo, os alimentos fermentados ou naturalmente ricos em prebióticos e em microrganismos benéficos, alguns dos quais produzirão efeitos na nossa saúde mental. Esses alimentos representarão um apoio para o nosso moral, atuando no cérebro através da microbiota intestinal.54

Quer saber mais sobre os alimentos que beneficiam a nossa saúde e sobre o papel da microbiota intestinal?

Consulte a nossa ficha temática

=> Com uma entrevista com o professor Rémy Burcelin, que estuda os mecanismos implicados na comunicação entre o cérebro, o intestino e o resto do corpo.

O que é um psicobiótico?

Os psicobióticos são probióticos e prebióticos que, quando ingeridos, proporcionam benefícios para a saúde mental, atuando através da microbiota intestinal55.

Os investigadores da Universidade de Cork, na Irlanda, propõem alargar a definição de psicobióticos para além dos probióticos e prebióticos, de modo a incluir qualquer substância que exerça um efeito psicológico mediado pela flora intestinal56.

Probióticos: 

Os probióticos são microrganismos vivos que, quando administrados em quantidades adequadas, beneficiam a saúde do indivíduo57,58. Alguns estudos pré-clínicos e clínicos centraram-se na administração de probióticos para melhorar os sintomas de stress, ansiedade e depressão, com resultados que revelam efeitos benéficos promissores.8

Prebióticos

Os prebióticos são fibras alimentares específicas não digeríveis que têm efeitos benéficos para a saúde. São utilizados seletivamente pelos microrganismos benéficos da microbiota do hospedeiro59,60. Estudos demonstraram que certos prebióticos têm efeitos benéficos nas perturbações relacionadas com o stress8.

Transplante: 

No sentido de restabelecer o equilíbrio do ecossistema microbiano do intestino, pode ser efetuado, a partir de um dador saudável, um transplante de microbiota fecal (FMT) para outro indivíduo61. De momento, esta abordagem terapêutica só está autorizada para o tratamento de infeções recorrentes por Clostridioides difficile62, mas os investigadores estão muito interessados nela e tentam avaliar os seus efeitos contra as dependências, como a do álcool,63 ou contra as perturbações da interação intestino-cérebro, como a síndrome do cólon irritável64,65.

Intervenções psicoterapêuticas

As (sidenote: Os métodos mente-corpo Os métodos mente-corpo são práticas que se concentram nas relações entre o corpo, o cérebro, o espírito e o comportamento assim como os seus efeitos na saúde e nas doenças.  Wahbeh H, Elsas SM, Oken BS. Mind-body interventions: applications in neurology. Neurology. 2008;70(24):2321-2328 ) demonstraram ter um efeito benéfico na saúde mental no tratamento do stress e de perturbações relacionadas com a interação intestino-cérebro, como a SCI:  (sidenote: Terapias cognitivo-comportamentais Um tipo de psicoterapia na qual o terapeuta leva o seu paciente a perceber o impacto dos seus pensamentos disfuncionais (errados, negativos) no seu comportamento e bem-estar.   Cuijpers P, Smit F, Bohlmeijer E, et al. Efficacy of cognitive–behavioural therapy and other psychological treatments for adult depression: meta-analytic study of publication bias. The British Journal of Psychiatry. 2010;196(3):173-178 InformedHealth.org [Internet]. Cologne, Germany: Institute for Quality and Efficiency in Health Care (IQWiG); 2006. Cognitive behavioral therapy. 2013 Aug 7 [Updated 2016 Sep 8] ) , hipnose, meditação, relaxamento,  (sidenote: Biopedagogia Método que permite, com ajuda de um aparelho especial, aprender a controlar certas funções do corpo tais como o ritmo cardíaco, a pressão arterial e a tensão muscular. Isto pode ajudar a controlar a dor.  https://www.cancer.gov/publications/dictionaries/cancer-terms/def/biofeedback ) , etc.66

Recomendado pela nossa comunidade

"Uma leitura interessante" -George Lewis (Da My health, my microbiota)

"Preciso saber mais sobre isso. Isso pode ser o que está acontecendo." -Mark Chadney (Da My health, my microbiota)

Bibliografia

1. Central nervous system (CNS) https://www.healthdirect.gov.au/central-nervous-system

2. https://institutducerveau-icm.org/fr/actualite/comprendre-le-cerveau-et-son-fonctionnement/

3. MedlinePlus. (2016). Neurosciences. Retrieved august 16, 2023

4. Watson C., Kirkcaldie M., Paxinos G. The brain: an introduction to functional neuroanatomy — Chapter 4 - Peripheral nerves. Academic Press, 2010. 43-54

5. Rao M, Gershon MD. The bowel and beyond: the enteric nervous system in neurological disorders. Nat Rev Gastroenterol Hepatol. 2016;13(9):517-528.

6. Gershon MD. The second brain: a groundbreaking new understanding of nervous disorders of the stomach and intestine. 1999 Nov. Harper Collins; New York.

7. Beaumont W. Nutrition Classics. Experiments and observations on the gastric juice and the physiology of digestion. By William Beaumont. Plattsburgh. Printed by F. P. Allen. 1833. Nutr Rev. 1977;35(6):144-145.

8. Cryan JF, O'Riordan KJ, Cowan CSM, et al. The Microbiota-Gut-Brain Axis. Physiol Rev. 2019;99(4):1877-2013.

9. Bashir Y, Khan AU. The interplay between the gut-brain axis and the microbiome: A perspective on psychiatric and neurodegenerative disorders. Front Neurosci. 2022;16:1030694.

10. Bashir Y, Khan AU. The interplay between the gut-brain axis and the microbiome: A perspective on psychiatric and neurodegenerative disorders. Front Neurosci. 2022;16:1030694.

11. Collins SM, Bercik P. The relationship between intestinal microbiota and the central nervous system in normal gastrointestinal function and disease. Gastroenterology. 2009;136(6):2003-2014

12. Góralczyk-Bińkowska A, Szmajda-Krygier D, Kozłowska E. The Microbiota-Gut-Brain Axis in Psychiatric Disorders. Int J Mol Sci. 2022;23(19):11245.

13. Yabut JM, Crane JD, Green AE, Keating DJ, Khan WI, Steinberg GR. Emerging Roles for Serotonin in Regulating Metabolism: New Implications for an Ancient Molecule. Endocr Rev. 2019;40(4):1092-1107.

14. Gershon MD, Tack J. The serotonin signaling system: from basic understanding to drug development for functional GI disorders. Gastroenterology. 2007;132(1):397-414.

15. https://my.clevelandclinic.org/health/articles/22572-serotonin/

16. Kennedy PJ, Cryan JF, Dinan TG, Clarke G. Kynurenine pathway metabolism and the microbiota-gut-brain axis. Neuropharmacology. 2017;112(Pt B):399-412.

17. Mayer EA, Nance K, Chen S. The Gut-Brain Axis. Annu Rev Med. 2022;73:439-453.

18. Molina-Torres G, Rodriguez-Arrastia M, Roman P, et al. Stress and the gut microbiota-brain axis. Behav Pharmacol. 2019;30(2 and 3-Spec Issue):187-200.

19. https://my.clevelandclinic.org/health/diseases/22248-functional-dyspepsia

20. Ford AC, Mahadeva S, Carbone MF, Lacy BE, Talley NJ. Functional dyspepsia. Lancet. 2020;396(10263):1689-1702.

21. Gracie DJ, Hamlin PJ, Ford AC. The influence of the brain-gut axis in inflammatory bowel disease and possible implications for treatment. Lancet Gastroenterol Hepatol. 2019;4(8):632-642. 

22. Fairbrass KM, Lovatt J, Barberio B, Yuan Y, Gracie DJ, Ford AC. Bidirectional brain-gut axis effects influence mood and prognosis in IBD: a systematic review and meta-analysis. Gut. 2022;71(9):1773-1780. 

23. Liu Z, Dai X, Zhang H, et al. Gut microbiota mediates intermittent-fasting alleviation of diabetes-induced cognitive impairment. Nat Commun. 2020;11(1):855. 

24. Romaní-Pérez M, Bullich-Vilarrubias C, López-Almela I, Liébana-García R, Olivares M, Sanz Y. The Microbiota and the Gut-Brain Axis in Controlling Food Intake and Energy Homeostasis. Int J Mol Sci. 2021;22(11):5830.

25. Navarro-Tapia E, Almeida-Toledano L, Sebastiani G, Serra-Delgado M, García-Algar Ó, Andreu-Fernández V. Effects of Microbiota Imbalance in Anxiety and Eating Disorders: Probiotics as Novel Therapeutic Approaches. Int J Mol Sci. 2021 Feb 26;22(5):2351.

26. https://www.msdmanuals.com/home/mental-health-disorders/eating-disorders/overview-of-eating-disorders

27. Fan Y, Støving RK, Berreira Ibraim S, et al. The gut microbiota contributes to the pathogenesis of anorexia nervosa in humans and mice. Nat Microbiol. 2023;8(5):787-802

28. Mondot S, Lachkar L, Doré J et al. Roseburia, a decreased bacterial taxon in the gut microbiota of patients suffering from anorexia nervosa. Eur J Clin Nutr. 2022 Mar 17.

29. https://www.msdmanuals.com/home/mental-health-disorders/anxiety-and-stress-related-disorders/overview-of-anxiety-disorders  

30. https://www.who.int/news-room/fact-sheets/detail/mental-disorders

31. Simpson CA, Diaz-Arteche C, Eliby D, Schwartz OS, Simmons JG, Cowan CSM. The gut microbiota in anxiety and depression - A systematic review. Clin Psychol Rev. 2021;83:101943

32. https://www.msdmanuals.com/home/mental-health-disorders/mood-disorders/overview-of-mood-disorders

33. https://www.msdmanuals.com/home/mental-health-disorders/obsessive-compulsive-and-related-disorders/obsessive-compulsive-disorder-ocd

34. Fawcett EJ, Power H, Fawcett JM. Women Are at Greater Risk of OCD Than Men: A Meta-Analytic Review of OCD Prevalence Worldwide. J Clin Psychiatry. 2020;81(4):19r13085.

35. Turna J, Grosman Kaplan K, Anglin R, et al. The gut microbiome and inflammation in obsessive-compulsive disorder patients compared to age- and sex-matched controls: a pilot study. Acta Psychiatr Scand. 2020;142(4):337-347.

36. https://www.msdmanuals.com/home/mental-health-disorders/schizophrenia-and-related-disorders/schizophrenia

37. https://www.who.int/news-room/fact-sheets/detail/schizophrenia

38. Bjørklund G, Pivina L, Dadar M, et al. Gastrointestinal alterations in autism spectrum disorder: What do we know? Neurosci Biobehav Rev. 2020 Nov;118:111-120..

39. Marizzoni M, Cattaneo A, Mirabelli P, et al. Short-Chain Fatty Acids and Lipopolysaccharide as Mediators Between Gut Dysbiosis and Amyloid Pathology in Alzheimer's Disease. J Alzheimers Dis. 2020;78(2):683-697

40. Doifode T, Giridharan VV, Generoso JS, et al. The impact of the microbiota-gut-brain axis on Alzheimer's disease pathophysiology. Pharmacol Res. 2021;164:105314.

41. Sampson TR, Debelius JW, Thron T, et al. Gut Microbiota Regulate Motor Deficits and Neuroinflammation in a Model of Parkinson's Disease. Cell. 2016;167(6):1469-1480.e12.

42. https://institutducerveau-icm.org/en/multiple-sclerosis/

43. Correale J, Hohlfeld R, Baranzini SE. The role of the gut microbiota in multiple sclerosis. Nat Rev Neurol. 2022;18(9):544-558.

44. iMSMS Consortium. microbiome of multiple sclerosis patients and paired household healthy controls reveal associations with disease risk and course. Cell. 2022;185(19):3467-3486.e16.

45. O'Neill CA, Monteleone G, McLaughlin JT, et al. The gut-skin axis in health and disease: A paradigm with therapeutic implications. Bioessays. 2016;38(11):1167-1176.

46. Stokes JH, Pillsbury DH: The effect on the skin of emotional and nervous states: theoretical and practical consideration of a gastrointestinal mechanism. Arch Dermatol Syphilol 1930, 22:962-93.

47. Bowe WP, Logan AC. Acne vulgaris, probiotics and the gut-brain-skin axis - back to the future?. Gut Pathog. 2011;3(1):1. Published 2011 Jan 31. doi:10.1186/1757-4749-3-1.

48. Salem I, Ramser A, Isham N, Ghannoum MA. The Gut Microbiome as a Major Regulator of the Gut-Skin Axis. Front Microbiol. 2018 Jul 10;9:1459.

49. ILSI Europe, 2013 Probiotics, Prebiotics and the Gut Microbiota. ILSI Europe Concise Monograph. 2013:1-32.

50. Tap J, Furet JP, Bensaada M, et al. Gut microbiota richness promotes its stability upon increased dietary fibre intake in healthy adults. Environ Microbiol. 2015 Dec;17(12):4954-64.

51. Quigley EMM, Gajula P. Recent advances in modulating the microbiome. F1000Res. 2020;9:F1000 Faculty Rev-46. Published 2020 Jan 27.

52. 22. Ley RE, Turnbaugh PJ, Klein S, et al. Microbial ecology: human gut microbes associated with obesity. Nature. 2006 Dec 21;444(7122):1022-3.

53. Wilson AS, Koller KR, Ramaboli MC, et al. Diet and the Human Gut Microbiome: An International Review. Dig Dis Sci. 2020;65(3):723-740. 

54. Berding K, Bastiaanssen TFS, Moloney GM, et al. Feed your microbes to deal with stress: a psychobiotic diet impacts microbial stability and perceived stress in a healthy adult population [published online ahead of print, 2022 Oct 27]. Mol Psychiatry. 2022

55. Dinan TG, Stanton C, Cryan JF. Psychobiotics: a novel class of psychotropic. Biol Psychiatry. 2013;74(10):720-726.

56. Sarkar A, Lehto SM, Harty S, et al. Psychobiotics and the Manipulation of Bacteria-Gut-Brain Signals. Trends Neurosci. 2016;39(11):763-781.

57. FAO/OMS, Joint Food and Agriculture Organization of the United Nations/ World Health Organization. Working Group. Report on drafting  guidelines for the evaluation of probiotics in food, 2002.

58. Hill C, Guarner F, Reid G, et al. Expert consensus document. The International Scientific Association for Probiotics and Prebiotics consensus statement on the scope and appropriate use of the term probiotic. Nat Rev Gastroenterol Hepatol. 2014;11(8):506-514.

59. Gibson GR, Roberfroid MB. Dietary modulation of the human colonic microbiota: introducing the concept of prebiotics .J Nutr, 1995; 125:1401-12.

60. Gibson GR, Hutkins R, Sanders ME, et al. Expert consensus document: The International Scientific Association for Probiotics and Prebiotics (ISAPP) consensus statement on the definition and scope of prebiotics. Nat Rev Gastroenterol Hepatol. 2017;14(8):491-502.

61. Cammarota G, Ianiro G, Tilg H, et al. European consensus conference on faecal microbiota transplantation in clinical practice. Gut. 2017;66(4):569-580.

62. Cammarota G, Ianiro G, Tilg H, et al. European consensus conference on faecal microbiota transplantation in clinical practice. Gut. 2017;66(4):569-580.

63. Bajaj JS, Gavis EA, Fagan A, et al. A Randomized Clinical Trial of Fecal Microbiota Transplant for Alcohol Use Disorder. Hepatology. 2021 May;73(5):1688-1700.

64. El- Salhy M, Hatlebakk JG, Gilja OH, et al. Efficacy of faecal microbiota transplantation for patients with irritable bowel syndrome in a randomised, double- blind, placebo- controlled study. Gut. 2020;69(5):856- 867.

65. El-Salhy M, Kristoffersen AB, Valeur J, et al. Long-term effects of fecal microbiota transplantation (FMT) in patients with irritable bowel syndrome. Neurogastroenterol Motil. 2021;e14200.

66. Chey WD, Keefer L, Whelan K, et al. Behavioral and Diet Therapies in Integrated Care for Patients With Irritable Bowel Syndrome. Gastroenterology. 2021;160(1):47-62

    Leia também