Obesidade
É um flagelo mundial que quase triplicou num período de cinquenta anos.1 Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), 39% dos adultos com idade igual ou superior a 18 anos têm excesso de peso e 13% são obesos.
E se lhe dissermos que, no centro dos intestinos, a nossa microbiota intestinal podia ter impacto sobre o nosso apetite, o nosso peso e a nossa capacidade de armazenar as gorduras?2
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Sobre este artigo
O que é a obesidade?
Na origem da obesidade e do excesso de peso, encontramos muito frequentemente um desequilíbrio entre as calorias que são absorvidas e as que são gastas pelo corpo, demasiado aporte de gorduras e açúcares nomeadamente em relação aos gastos energéticos reais.3,4 O aumento excessivo da massa adiposa daí resultante pode prejudicar a saúde e reduzir significativamente a esperança de vida.3 As pessoas com excesso de peso ou obesas correm um risco mais elevado de doenças cardiovasculares, mas também de diabetes de tipo 2.5,6 A obesidade também está associada a vários tipos de cancro (fígado, útero, etc.).6 O índice de massa corporal (IMC) permite ter uma indicação aproximada do excesso de peso e da obesidade. Para um adulto, a OMS estima que existe excesso de peso quando o IMC é igual ou superior a 25 e obesidade quando o IMC é igual ou superior a 30.1
E a microbiota no meio de tudo isto?
Entre as causas mais conhecidas da obesidade encontram-se uma predisposição genética, uma vida sedentária, a falta de sono, fatores psicológicos, uma alimentação desequilibrada demasiado rica em gorduras e em açúcares, etc. Mas, às vezes, adotar um estilo de vida virtuoso que combina desporto e alimentação saudável não é suficiente para eliminar o nosso excesso de peso.3 Então, de quem é a culpa? Recentemente, o estudo da flora intestinal no paciente obeso permitiu constatar perturbações na composição da sua microbiota intestinal. Este desequilíbrio do ecossistema microbiano corresponde a uma disbiose.7 Sabia? Estudos em roedores mostraram que se transplantarmos para um ratinho a microbiota de um paciente obeso, ele também engorda!8 Espantoso? Estes novos conhecimentos oferecem uma esperança para a descoberta de novos tratamentos. De facto, as pessoas obesas teriam uma microbiota globalmente menos rica e menos diversificada,9 com menos bactérias "boas" como a Akkermansia muciniphila e as bifidobactérias, e mais bactérias potencialmente prejudiciais.8 E, nestes casos, a modificação do equilíbrio da microbiota permitiria ao intestino extrair com mais eficácia a energia daquilo que comemos e, assim, melhorar o armazenamento energético nas pessoas obesas ou com excesso de peso.8
Repercussões para além do intestino
O equilíbrio entre os aportes e os gastos energéticos depende, em parte, de uma comunicação bidirecional entre o intestino e o cérebro, aquilo a que os investigadores chamam o eixo intestino-cérebro.10 Esta comunicação é viabilizada entre os neurónios e as bactérias graças a moléculas "sinal", entre as quais estão os " (sidenote: Ácidos gordos de cadeia curta (AGCC) Os ácidos gordos de cadeia curta são uma fonte de energia (carburante) das células do indivíduo, interagem com o sistema imunitário e estão envolvidos na comunicação entre o intestino e o cérebro. Silva YP, Bernardi A, Frozza RL. The Role of Short-Chain Fatty Acids From Gut Microbiota in Gut-Brain Communication. Front Endocrinol (Lausanne). 2020;11:25. ) " e os " (sidenote: Neurotransmissores Moléculas específicas que permitem uma comunicação entre os neurónios (as células nervosas do cérebro), mas também com as bactérias da microbiota. São produzidas tanto pelas células do indivíduo como pelas bactérias da microbiota. Baj A, Moro E, Bistoletti M, Orlandi V, Crema F, Giaroni C. Glutamatergic Signaling Along The Microbiota-Gut-Brain Axis. Int J Mol Sci. 2019;20(6):1482. ) ".5,6,11 A microbiota intestinal, através desses mensageiros, ajuda o cérebro a regular o equilíbrio energético, o apetite e a sensação de saciedade,6 mas também ajusta o humor e o comportamento alimentar.9,10 Verifica-se que a microbiota intestinal e a obesidade estão indissociavelmente ligadas; quando a microbiota intestinal é alterada, isso provoca perturbações ao nível da digestão, do sistema de defesa, mas também com o cérebro com o qual comunica para gerir a fome.9 À semelhança de um circuito elétrico fechado, os diferentes "aparelhos" estão ligados entre si e permitem que as informações (boas ou más) circulem entre o intestino e o cérebro.
Uma microbiota modificada para emagrecer?
A solução parece ser evidente: emagrecer e eliminar quilos cuidando da sua microbiota! Não é assim tão simples, dirão os especialistas; é necessário compreender a forma como a alimentação, os probióticos e os prebióticos ou até mesmo o transplante de microbiota fecal (TMF) influenciam o ecossistema da nossa microbiota intestinal.
- Alimentação: Como já vimos, a alimentação é o primeiro fator de risco de obesidade. Também é a principal alavanca de modulação da microbiota. Até à data, não foi estabelecida nenhuma ligação categórica entre a ação sobre a flora intestinal e a importância da perda de peso.12 No entanto, a resposta a um regime alimentar seria devida à composição inicial da nossa microbiota intestinal.7,11
- Probióticos: Vários estudos realizados em animais mostram que determinados probióticos se destacam e teriam efeitos sobre o perfil metabólico, o aumento de peso ou até mesmo a saciedade em roedores.2,7,13,14 Os resultados são encorajadores em seres humanos, mesmo com dados mais reduzidos, determinados probióticos específicos tiveram impacto sobre o peso, o IMC, o perímetro abdominal, a gordura corporal e o perfil metabólico.2,5,6
- Prebióticos: Quanto aos prebióticos, os resultados são divergentes em seres humanos, embora os seus efeitos benéficos tenham sido amplamente demonstrados em laboratório2. Globalmente, os estudos salientam um efeito dos prebióticos sobre a saciedade7, mas infelizmente sem repercussões no peso.2
- Transplante de microbiota fecal: Estão a ser estudadas outras terapias de modulação da microbiota intestinal, como o transplante de microbiota fecal (TMF) utilizado atualmente para tratar a infeção recorrente de Clostridioides difficile. Os investigadores avaliam o seu benefício potencial para corrigir a disbiose, atuar sobre o comportamento alimentar e o metabolismo energético.7
1 https://www.who.int/news-room/fact-sheets/detail/obesity-and-overweight
3 Blüher M. Obesity: global epidemiology and pathogenesis. Nat Rev Endocrinol. 2019;15(5):288-298..
12 Seganfredo FB, Blume CA, Moehlecke M, et al. Weight-loss interventions and gut microbiota changes in overweight and obese patients: a systematic review. Obes Rev. 2017;18(8):832-851.
13 Lucas N, Legrand R, Deroissart C, et al. Hafnia alvei HA4597 Strain Reduces Food Intake and Body Weight Gain and Improves Body Composition, Glucose, and Lipid Metabolism in a Mouse Model of Hyperphagic Obesity. Microorganisms. 2019;8(1):35.
14 Legrand R, Lucas N, Dominique M, et al. Commensal Hafnia alvei strain reduces food intake and fat mass in obese mice-a new potential probiotic for appetite and body weight management. Int J Obes (Lond). 2020;44(5):1041-1051.