A microbiota intestinal: uma nova esperança para prevenir a obesidade infantil?
Segundo a OMS1, o flagelo do nosso século foi o facto de quase 40 milhões de crianças com menos de 5 ano terem excesso de peso ou serem obesas em 2019. Para prevenir a obesidade infantil e voltar a equilibrar a balança energética, é habitual incidir-se na alimentação e no exercício físico, algo que é necessário, mas insuficiente. Agora as esperanças voltam-se para a microbiota intestinal, um interveniente fundamental no metabolismo e na comunicação com o cérebro. Desencriptação.
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Sobre este artigo
40 milhões quase 40 milhões de crianças com menos de 5 ano terem excesso de peso ou serem obesas em 2019
Microbiota e obesidade: a disbiose na ordem do dia
A microbiota intestinal é um verdadeiro ecossistema microbiano situado nas nossas entranhas, sendo essencial para a nossa saúde. Em relação à obesidade, atualmente sabemos que o facto de existir uma diversidade reduzida na microbiota intestinal e uma sobrerrepresentação de algumas espécies bacterianas aumenta o risco de adiposidade, de resistência à insulina e de inflamação. Desta forma, os pacientes obesos teriam uma flora menos rica do que as pessoas magras, embora os resultados ainda não sejam todos unânimes.
Microbiota e obesidade: os fatores de risco
Além dos fatores genéticos, há outros fatores que contribuiriam para o desenvolvimento de obesidade nas crianças: a alimentação da mãe durante a gravidez, o tipo de parto, a alimentação do bebé (amamentação vs. alimentação ao biberão), tratamento com antibióticos durante a infância... Os mecanismos biológicos através dos quais estes fatores de risco vão influenciar o desenvolvimento de obesidade ainda não estão claramente determinados. No entanto, suspeita-se e dá-se particular atenção à microbiota
Microbiota e obesidade: comprovado pela ciência
Verifica-se que a obesidade é uma doença multifatorial. Como tal, ainda é muito cedo para dizer que há uma relação de causa-efeito exclusiva entre a microbiota e a obesidade no ser humano. No entanto, esta relação está comprovada nos animais, com estudos que demonstram que a característica "obeso" pode ser passada de um rato dador "obeso" para um rato recetor "magro" através de um transplante de microbiota fecal e vice-versa.
Houve apenas um estudo em que se experimentou transplantar microbiota de pessoas magras para pessoas com excesso de peso. Por enquanto, não se observou nenhuma diminuição do (sidenote: Índice de Massa Corporal (IMC) IMC o Índice de Massa Corporal avalia a corpulência de uma pessoa, estimando a massa gorda do corpo com recurso ao cálculo da relação entre o peso (kg) e a altura elevada ao quadrado (m2) da pessoa. https://www.nhlbi.nih.gov/health/educational/lose_wt/BMI/bmicalc.htm https://www.euro.who.int/en/health-topics/disease-prevention/nutrition/a-healthy-lifestyle/body-mass-index-bmi ) .
Microbiota e obesidade: quando as bactérias controlam o nosso prato e o nosso peso
Qual é a relação entre apetite e obesidade? A relação entre alimentação microbiota e obesidade é complexa. O modus operandi é o seguinte: os alimentos são digeridos, os nutrientes são metabolizados pelas bactérias e as moléculas produzidas, tais como os (sidenote: Ácidos biliares Os ácidos biliares facilitam a digestão e a absorção dos lípidos no intestino. Também exercem funções de tipo hormonal e estão envolvidos em diversos processos metabólicos. A microbiota intestinal vai modificar os ácidos biliares que, por sua vez, vão afetar a composição da microbiota intestinal. Staels B, Fonseca VA. Bile acids and metabolic regulation: mechanisms and clinical responses to bile acid sequestration. Diabetes Care. 2009;32 Suppl 2(Suppl 2):S237-S245. Li R, Andreu-Sánchez S, Kuipers F, Fu J. Gut microbiome and bile acids in obesity-related diseases. Best Pract Res Clin Endocrinol Metab. 2021;35(3):101493. ) , os (sidenote: Ácidos Gordos de Cadeia Curta (AGCC) Os Ácidos Gordos de Cadeia Curta são uma fonte de energia (carburante) das células do indivíduo, interagem com o sistema imunitário e estão envolvidos na comunicação entre o intestino e o cérebro. Silva YP, Bernardi A, Frozza RL. The Role of Short-Chain Fatty Acids From Gut Microbiota in Gut-Brain Communication. Front Endocrinol (Lausanne). 2020;11:25. ) ou outras moléculas, por sua vez, vão dar início a determinados mecanismos que terão impacto na obesidade. Por exemplo, uma microbiota alterada afetará o controlo do armazenamento de gordura e aumentará demasiado a recuperação de energia. O intestino e o cérebro vão deixar de conseguir comunicar corretamente, o que leva à desregulação do apetite e da sensação de saciedade.
Microbiota e obesidade: personalizar a nossa alimentação para prevenir melhor
Verifica-se que a nossa alimentação influencia a composição da nossa microbiota. A microbiota da criança evolui durante os primeiros anos de vida, refletindo o ambiente em que se encontra inserida e a sua alimentação. Para os investigadores, é importante realizar intervenções alimentares neste período. Como? Através dos prebióticos naturalmente presentes nos alimentos e que as bactérias adoram, bem como dos probióticos, que são micro-organismos que podemos ingerir diretamente.
Adaptar a alimentação em função das especificidades da microbiota: esta nova abordagem permite prevenir melhor o risco de obesidade desde a infância. E se esta alimentação personalizada for um aliado de peso na luta contra a obesidade, um flagelo mundial que quase triplicou em meio século1? Continua em aberto o campo das possibilidades e das esperanças...
1 https://www.who.int/news-room/fact-sheets/detail/obesity-and-overweight
Baranowski T, Motil KJ. Simple Energy Balance or Microbiome for Childhood Obesity Prevention? Nutrients. 2021;13(8):2730. Published 2021 Aug 9.