Diarreia associada a antibióticos
Os antibióticos constituem uma ferramenta poderosa na luta contra as infeções bacterianas. Embora os tratamentos pareçam normalmente resultar sem que surjam efeitos secundários óbvios a curto prazo, o desequilíbrio da microbiota intestinal que eles causam nos pacientes pode causar diarreia em até 35% destes1-3. Essa diarreia associada aos antibióticos pode, por vezes, ocultar uma infeção intestinal grave.3
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Sobre este artigo
Como é que os antibióticos desequilibram a flora intestinal?
Os antibióticos, embora eliminem os (sidenote: Agente patogénico Um agente patogénico é um microrganismo que provoca ou pode provocar uma doença. Pirofski LA, Casadevall A. Q and A: What is a pathogen? A question that begs the point. BMC Biol. 2012 Jan 31;10:6. ) responsáveis por determinada infeção, também podem destruir algumas bactérias benéficas da microbiota, causando sistematicamente um desequilíbrio mais ou menos importante dentro deste ecossistema. Este fenómeno, conhecido por (sidenote: Disbiose A "disbiose" não é um fenómeno homogéneo – varia em função do estado de saúde de cada indivíduo. É geralmente definida como uma alteração da composição e do funcionamento da microbiota, causada por um conjunto de fatores ambientais e relacionados com o indivíduo que perturbam o ecossistema microbiano. Levy M, Kolodziejczyk AA, Thaiss CA, et al. Dysbiosis and the immune system. Nat Rev Immunol. 2017;17(4):219-232. ) , será a causa da diarreia associada a antibióticos, uma vez que a microbiota intestinal fica com menos capacidade para cumprir as suas funções de proteção. A referida situação pode afetar até 35% dos pacientes,1-3 percentagem que nas crianças pode mesmo atingir os 80%.1
Além disso, a microbiota intestinal, apesar de possuir um certo nível de resiliência (ou seja, a sua composição regressar a uma composição próxima da que tinha antes do desequilíbrio induzido pelos antibióticos), pode, por vezes, não recuperar inteiramente.4,5 Um estudo recente demonstrou que os antibióticos podem alterar a diversidade e a abundância de bactérias, e que esse desequilíbrio pode ser prolongado (geralmente de 8 a 12 semanas após a cessação do tratamento).1,6
Na maioria dos casos, trata-se de uma diarreia sem outros sintomas
A principal consequência a curto prazo de um tratamento com antibióticos é uma alteração do trânsito intestinal em alguns pacientes, que na maioria das vezes resulta em diarreia. Esta define-se pela emissão, pelo menos três vezes, de fezes muito moles a líquidas, nas 24 horas seguintes ao início de um tratamento com antibióticos, ou até 2 meses após a sua cessação.7-9 A incidência da diarreia associada aos antibióticos depende de vários fatores (idade, contexto, tipo de antibiótico, etc.). Na grande maioria dos casos, a diarreia é de origem funcional, ou seja, encontra-se associada a um desequilíbrio da microbiota intestinal, sendo geralmente de intensidade ligeira a moderada.1 Os antibióticos com atividade antimicrobiana de mais largo espectro (ou seja, que atuam sobre um maior número de bactérias) estão associados a taxas mais elevadas de ocorrência de diarreia.3
Os antibióticos salvam vidas! Sabia que eles também têm impacto na sua microbiota? Sabia que a má utilização e o uso excessivo de antibióticos pode levar à resistência aos antibióticos? Já ouviu falar da Semana Mundial de Conscientização sobre a RAM (WAAW)? Todas as respostas nesta página :
Antibióticos: que impacto na microbiota e na saúde?
No entanto, em 10 a 20% dos casos, a diarreia resulta de uma infeção por Clostridioides difficile (C. difficile): uma bactéria que se pode tornar patogénica sob a influência de certos fatores, como a toma de antibióticos, por exemplo, mas também a idade acima dos 65 anos ou mesmo certas patologias associadas3... A colonização da microbiota intestinal por esta bactéria desencadeia uma reação inflamatória, com consequências clínicas que vão desde diarreia moderada até sintomas muito mais graves e mesmo à morte3.
A suspensão da toma de antibióticos é o tratamento mais eficaz?
O tratamento da diarreia associada a antibióticos depende dos sintomas e do agente patogénico (C. difficile, por exemplo).10 Em casos de diarreia leve a moderada, o tratamento baseia-se na interrupção da toma do antibiótico em questão (ou na sua substituição por outro antibiótico com menor probabilidade de causar diarreia), para permitir que a microbiota se restabeleça e que o paciente se reidrate.10
Múltiplos estudos demonstraram já o valor dos probióticos quanto a permitirem a reconstituição da microbiota intestinal: alguns probióticos demonstraram ser eficazes na prevenção e no tratamento da diarreia associada aos antibióticos.13-15 Comprovou-se que há outros probióticos cuja toma durante o tratamento com antibióticos reduz o risco de uma primeira infeção por C. difficile, bem como de infeções recorrentes.6,11,12 Para terminar, o transplante de microbiota fecal, que consiste em implantar por via natural uma microbiota sã na pessoa doente para restaurar o seu ecossistema microbiano, está por enquanto restrito aos casos mais graves de infeções: apenas está indicado para o tratamento de recidivas de infeções pela bactéria patogénica C. difficile. 16,17
Este artigo recorre a fontes científicas homologadas, mas não substitui o aconselhamento médico. Em caso de sintomas, não hesite em consultar o seu médico generalista ou o pediatra dos seus filhos.
O que é a Semana Mundial de Conscientização sobre a RAM?
Todos os anos, desde 2015, a OMS organiza a Semana Mundial de Conscientização sobre a RAM (WAAW), que tem como objetivo aumentar a sensibilização para a resistência antimicrobiana mundial.
A resistência antimicrobiana ocorre quando as bactérias, vírus, parasitas e fungos alteram-se com o tempo e já não respondem aos medicamentos. Como resultado da resistência aos medicamentos, os antibióticos e outros medicamentos antimicrobianos tornam-se ineficazes e as infeções tornam-se cada vez mais difíceis ou impossíveis de tratar, aumentando o risco de propagação de doenças, doenças graves e morte.
Realizada entre 18 e 24 de novembro, esta campanha incentiva o público em geral, os profissionais de saúde e os decisores a utilizar cuidadosamente antibióticos, antivirais, antifúngicos e antiparasíticos, de forma a evitar o surgimento futuro de resistência antimicrobiana.
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