Autismo: uma assinatura microbiana robusta revelada através da IA
Utilizando técnicas de inteligência artificial (IA) e de aprendizagem automática (machine learning), os investigadores conseguiram identificar 26 famílias bacterianas na microbiota intestinal que lhes permitem estabelecer uma distinção entre as crianças que sofrem de perturbações do espetro do autismo (PEA) e as que não sofrem.
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Sobre este artigo
Poderá a inteligência artificial revolucionar a compreensão, o diagnóstico e o tratamento das perturbações do espetro do autismo (PEA)?
Esta é uma das interrogações que investigadores neerlandeses têm estado a averiguar e cujos resultados acabam de ser publicados na revista Scientific Reports. 1
Utilizando a aprendizagem automática (“machine learning”), estes cientistas conseguiram identificar 26 famílias bacterianas características da microbiota intestinal das crianças que sofrem de autismo. Com esta descoberta, abrem-se as portas a novas técnicas de diagnóstico e estabelecem-se potenciais alvos de intervenção terapêutica.
Ultrapassar enviesamentos relacionados com a dieta ou o estilo de vida
Para atingir este resultado, Lucia Peralta-Marzal e a sua equipa utilizaram dados sobre a composição da microbiota intestinal de 60 crianças americanas com idades compreendidas entre os 2 e os 7 anos que sofriam de autismo e de 57 dos seus irmãos e irmãs não afetados pela doença (grupo de controlo).
Ao escolherem crianças provenientes da mesma fratria, os cientistas procuraram reduzir os enviesamentos – frequentes nas análises estatísticas tradicionais – associados à alimentação, ao local de residência e ao estilo de vida. Objetivo estabelecido: identificar a assinatura microbiana intestinal especificamente ligada à presença de PEA.
Como é a microbiota das crianças autistas?
A análise da microbiota intestinal das crianças com PEA nas três coortes utilizadas pela equipa de Lucia Peralta-Marzal mostra que lá se encontra:
- Menos bifidobactérias: em estudos anteriores, este grupo bacteriano foi correlacionado com alterações no metabolismo do triptofano, um composto associado à gravidade da PEA;
- Níveis anormais de Clostridia: sabe-se que estas bactérias estão associadas a uma maior suscetibilidade a perturbações do desenvolvimento neurológico e a determinados parâmetros comportamentais nas PEA;
- Diminuição dos Butyricicoccus: trabalhos em modelos animais de PEA demonstraram que estas bactérias recuperam após o transplante de microbiota fecal (TMF).
Os investigadores analisaram os dados brutos de sequenciação do gene 16S rRNA extraídos da microbiota intestinal das crianças da coorte, utilizando um algoritmo denominado REFS (recursive ensemble feature selection) baseado na aprendizagem automática.
Este subdomínio da IA, baseado em algoritmos que permitem descobrir padrões repetidos, (patterns), em conjuntos de dados, permitiu-lhes identificar 26 variantes de sequência de amplicões (ASV ou amplicon sequence variants). Estes ASV correspondem a 26 taxa bacterianos capazes de diferenciar as crianças que sofrem de autismo das do grupo de controlo.
5 things you need to know about ASD
- In the United States, 1 in 36 children suffers from ASD, with a ratio of 4 boys to every girl. 2
- While the underlying causes of these disorders remain unclear, genetic and environmental factors (prenatal exposure to air pollutants and pesticides, maternal obesity and
- immune disorders, premature birth, etc.) appear to play a major role. 3
- There are clear differences in microbial composition in the gut of people with ASD compared with control populations, and the microbiota may contribute to symptoms. 4
- People affected by this disease generally suffer from gastrointestinal disorders (diarrhea, constipation, abdominal pain, etc.), which are correlated with the severity of ASD. 5
- In a Phase 1 clinical trial, fecal microbiota transplantation (FMT) significantly improved behavioral scores and gastrointestinal symptoms. 6
Uma ferramenta preditiva precisa, robusta... e validada
Recorrendo a estas 26 famílias para analisar o mesmo tipo de dados, mas desta vez provenientes de duas coortes chinesas (223 crianças, das quais 125 com PEA), Lucia Peralta-Marzal e os seus colegas conseguiram validar a capacidade desta assinatura para distinguir as crianças com autismo e demonstrar a sua fiabilidade e reprodutibilidade.
Os seus cálculos mostram que a área média sob a curva (AUC) é de 81,6% na coorte americana e de 74,8% e 74%, respetivamente, nas coortes chinesas, provando-se assim que fatores de confusão como o estilo de vida não alteram esta assinatura.
Serão necessários mais estudos para se compreender o papel das 26 famílias na fisiopatologia da PEA. No entanto, esta assinatura poderá já ser utilizada para fins de diagnóstico e para fornecer novas informações sobre os mecanismos moleculares que intervêm no eixo microbiota-intestino-cérebro.
Em todo o caso, isto confirma que a microbiota intestinal está fortemente associada à PEA e não deve ser negligenciada como um potencial alvo de intervenção terapêutica.
Tudo o que precisa de saber sobre o eixo microbiota-intestino-cérebro
1. Peralta-Marzal LN, Rojas-Velazquez D, Rigters D, et al. A robust microbiome signature for autism spectrum disorder across different studies using machine learning. Sci Rep. 2024 Jan 8;14(1):814.
2. Centers for Disease Control and Prevention
3. National Institute of Environmental Health Sciences
4. Ding X, Xu Y, Zhang X, et al. Gut microbiota changes in patients with autism spectrum disorders. J Psychiatr Res. 2020 Oct;129:149-159.
5. Lefter R, Ciobica A, Timofte D, et al. A Descriptive Review on the Prevalence of Gastrointestinal Disturbances and Their Multiple Associations in Autism Spectrum Disorder. Medicina (Kaunas). 2019 Dec 27;56(1):11.
6. https://www.biocodexmicrobiotainstitute.com/en/pro/autism-new-fecal-microbiota-transplant-protocol-shows-promising-results