Da diarreia às doenças crónicas: as consequências da disbiose da microbiota intestinal provocada por antibióticos
O tratamento antibiótico pode, por vezes, ocorrer sem quaisquer efeitos colaterais de curto prazo. No entanto, a disbiose desencadeia diarreia em 35% dos doentes; a longo prazo, alterações de microbiota induzidas por antibióticos podem representar um fator de risco para doenças alérgicas, autoimunes ou metabólicas.
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Os antibióticos são uma ferramenta poderosa na luta contra infeções bacterianas. No entanto, a pesquisa também descreve efeitos prejudiciais sobre os trilhões de bactérias comensais que vivem no trato intestinal. A disbiose resultante torna a microbiota intestinal incapaz de cumprir as funções protetoras. A curto prazo, a disbiose deixa a porta aberta para patogénicos oportunistas e bactérias multirresistentes. A longo prazo, a microbiota intestinal, apesar de ter um certo grau de resiliência, às vezes não se consegue restaurar por completo1,2; A disbiose deve assim ser entendida como o abrir caminho para uma série de doenças. Pesquisas mais recentes demonstraram que os antibióticos podem alterar a diversidade bacteriana e a abundância da microbiota a normal e que este impacto pode ser prolongado (tipicamente 8-12 semanas após a interrupção dos antibióticos)3,4.
35%
A diarreia ocorre em 35% dos doentes que tomam antibióticos3,5,6
A diarreia é efeito adverso mais comum dos antibióticos
Como principal consequência a curto prazo, alguns doentes tratados com antibióticos sofrem uma mudança no trânsito intestinal, resultando na maioria das vezes em diarreia. A incidência de diarreia associada a antibióticos (DAA) depende de vários fatores (idade, tipo de antibiótico, etc.) e pode variar de 5 a 35% dos doentes que tomam antibióticos3,5,6.
Nas crianças, essa percentagem pode atingir 80%3. Na maioria das vezes, a diarreia é puramente funcional, causada pela disbiose induzida por antibióticos. Geralmente é de intensidade leve e é autolimitada, com duração de 1-5 dias. Antibióticos que apresentam largo espectro de ação antimicrobiana como clindamicina, cefalosporinas e ampicilina/amoxicilina estão associados a maiores taxas de diarreia6.
Os antibióticos são uma descoberta científica extraordinária que salva milhões de vidas, mas a sua utilização excessiva e inapropriada tem agora suscitado sérias preocupações para a saúde, nomeadamente com a resistência aos antibióticos e a disbiose. Vejamos a sua página dedicada.
O papel ambivalente dos antibióticos
O caso particular de diarreia C. difficile
Em 10 a 20% dos casos, a diarreia resulta da infeção por Clostridioides difficile (anteriormente conhecido como Clostridium difficile) que coloniza a microbiota6. Esta bactéria, que persiste no meio ambiente através de esporos, é um gram-positivo, formador de esporos e anaeróbio obrigatório. A infeção ocorre através da ingestão de esporos. Em circunstâncias específicas (por exemplo, disbiose induzida por antibióticos), os esporos podem germinar e as células bacterianas vegetativas deste patogénico oportunista, podem colonizar os intestinos. Na fase infeciosa, o C. difficile produz 2 toxinas que danificam os colonócitos e desencadeiam uma resposta inflamatória com uma variedade de efeitos clínicos, variando de diarreia moderada a colite pseudomembranosa, megacólon tóxico e/ou morte.
FIGURA 2 : Efeitos da disbiose intestinal induzida por antibióticos (Fonte : Queen et al., 202010)
1/3
Quase 1/3 dos casos de DAA são devidos a C. difficile3
Os fatores de risco comuns mais reconhecidos para a infeção com C. difficile (CDI) incluem idade > 65 anos, uso de inibidores da bomba de protões, comorbidades e, claro, o uso de antibióticos. Fator de risco modificável e relevantes para o CDI. A associação de antibióticos com CDI foi estabelecida em hospitais e, mais recentemente, em ambientes comunitários7, onde o risco de infeção varia para pessoas expostas a penicilinas, a fluoroquinolonas e maior para os que recebem clindamicina. Quanto às tetraciclinas não desencadeiam risco aumentado8. Em ambiente hospitalar, observou se o maior risco de desenvolver CDI para cefalosporinas (de 2ªa 4ªgeração), clindamicina, carbapenemas, trimetoprim - sulfonamidas, fluoroquinolonas e combinações de penicilina9.
Quando a microbiota intestinal se torna um reservatório de resistência a antibióticos
Quando expostas a antibióticos, as comunidades microbianas respondem a curto prazo não só alterando a composição, mas também evoluindo, otimizando e disseminando genes resistentes a antibióticos.A microbiota intestinal humana, excessivamente exposta a antibióticos, é agora considerada um reservatório significativo de genes de resistência, tanto em adultos como em crianças2. Ao contribuir para a crescente dificuldade de combater infeções bacterianas, a resistência aos antibióticos tornou-se uma das principais preocupações de saúde pública.
Uma porta aberta a doenças não transmissíveis
O desequilíbrio da microbiota intestinal resultante da exposição a antibióticos também é condicionante ao aumentar do risco de várias doenças crónicas por aumentar as respostas inflamatórias local e sistémica, levando a um metabolismo desregulado e comprometimento da homeostase imunológica10 (Figura 1). O período perinatal é caracterizado pelo desenvolvimento do sistema imunológico juntamente com a maturação da microbiota intestinal. Foi demonstrado ser um momento particularmente sensível, durante o qual a disbiose induzida por antibióticos se traduz em efeitos para a saúde a longo prazo, ou seja, um maior risco de doenças na idade adulta. Entre elas as doenças inflamatórias intestinais (por exemplo, a Doença de Crohn), doenças atópicas (por exemplo, asma) e distúrbios metabólicos (por exemplo, diabetes tipo 2, obesidade).
Caso clínico
por Lynne V. McFarland, PhD
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Uma mulher de 53 anos consultou o seu médico, com história de 3 dias de sintomas do trato respiratório (tosse, dor de garganta e corrimento nasal) com febre e fadiga. Sem comorbidades e saudável. O médico prescreveu um exsudado nasofaríngeo e 10 dias de cefaclor oral (500 mg, b.i.d). As culturas de muco foram negativas aos patogénicos.
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Internamento hospitalar ao 3º dia, com toma de antibióticos e desenvolvimento de diarreia aguda (fezes aquosas com 6 dejeções por dia, juntamente com cólicas abdominais). Sintomas respiratórios não resolvidos. As culturas laboratoriais (muco e fezes) foram negativas para patogénicos. Com a descontinuação dos antibióticos, a diarreia continuou nos dias seguintes.
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O médico prescreveu-lhe eritromicina (500 mg t.i.d.) e um probiótico durante uma semana. Os sintomas respiratórios e a diarreia resolveram-se em quatro dias com alta médica depois de um dia sem complicações.
Todos os anos, desde 2015, a OMS organiza a Semana Mundial de Conscientização sobre a RAM (WAAW), que tem como objetivo aumentar a sensibilização para a resistência aos antimicrobianos a nível global. Realizada entre 18 e 24 de novembro, esta campanha incentiva o público em geral, os profissionais de saúde e os decisores a utilizarem cuidadosamente os antimicrobianos, a fim de evitar o surgimento de uma maior resistência aos antimicrobianos.