Desequilíbrio da microbiota intestinal: um fator de risco para a infeção pelo VIH?
A infeção pelo VIH está associada a um desequilíbrio da microbiota intestinal (disbiose): há vários estudos que já demonstraram isso. Mas alguns investigadores americanos1 fizeram uma descoberta surpreendente: essa disbiose precede a infeção e pode até representar um potencial fator de risco para a mesma.
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Sobre este artigo
Para os cientistas, uma "associação" mostra que dois fenómenos ocorrem simultaneamente, não que eles tenham uma relação de causa e efeito! A disbiose intestinal (ou seja, um desequilíbrio na composição da flora) observada nas pessoas infetadas pelo vírus da imunodeficiência adquirida (VIH) deve-se à infeção ou será uma consequência da mesma? Ou ambas as coisas? A poucos dias do Dia Mundial da luta contra o SIDA a 1 de dezembro, continua a ser difícil ter uma opinião firmada: não só o estado da microbiota intestinal antes da infeção não é necessariamente conhecido, como há muitos outros fatores que influenciam o aparecimento da disbiose: a idade, a alimentação, a toma de antibióticos… e até mesmo o comportamento sexual, de acordo com alguns dados recentes2,3.
Para esclarecer o assunto, investigadores americanos recolheram amostras da microbiota intestinal de cerca de cinquenta homens que praticam sexo com outros homens, reunidas ao longo de vários estudos. Selecionaram indivíduos com perfil semelhante (idade, etnia, comportamento sexual, etc.), metade dos quais havia sido infetado pelo VIH durante esses estudos e a outra metade não. Puderam assim comparar a microbiota intestinal de homens infetados antes e logo após a respetiva infeção, e também a destes com a de indivíduos saudáveis “comparáveis” não infetados.
38 milhões No final de 2021, havia em todo o mundo aproximadamente 38 milhões de pessoas que viviam com HIV, mais de 2/3 das quais em África.
Modificações mínimas da microbiota entre antes e depois da infeção pelo VIH…
Primeiro resultado: durante a fase aguda da infeção pelo VIH, a composição da microbiota intestinal dos homens muda muito pouco. Apenas foi observado um aumento de Fusobacterium mortiferum. Esta espécie bacteriana, que normalmente não existe na flora intestinal, já foi associada ao VIH em outros estudos.
… mas diferenças notáveis antes da infeção
Em contrapartida, a microbiota intestinal dos homens que posteriormente foram infetados com o VIH (portanto, a microbiota intestinal “pré-infeção”) apresentou diferenças em relação à dos indivíduos que serviam de controlo (que não se infetaram). Nomeadamente, menos bactérias do grupo Bacteroides e um aumento de outras (Megasphaera elsdenii, Acidaminococcus fermentans e Helicobacter cinaedi). Este tipo de disbiose já foi habitualmente observado nos indivíduos infetados com VIH. Só que neste novo estudo, o desequilíbrio intestinal pareceu já estar presente antes da infeção, o que contribuirá ou não para a suscetibilidade à infeção pelo VIH, segundo os autores.
Transmissão do VIH
O VIH é um vírus transmitido por via sexual, através do sangue e da mãe para filho (durante a gravidez, o parto ou a amamentação). Ataca as células portadoras de um recetor "CD4", em particular as células imunitárias, os linfócitos T. Os linfócitos T são um tipo de glóbulos brancos que desempenham uma importante função imunitária na defesa do organismo contra o ataque de agentes microbianos externos (bactérias, vírus ou fungos), ou outros tipos de invasores.
A infeção pelo VIH ocorre em 3 fases sucessivas ao longo de uma média de 10 anos (com diferenças significativas entre indivíduos):
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A fase aguda ou infeção primária começa 10 a 15 dias após a contaminação e dura aproximadamente 2 semanas. O vírus invade o organismo, penetra nas células CD4 e é combatido pelo sistema imunitário. É um estágio que pode ser assintomático ou manifestar-se por sintomas semelhantes aos da gripe.
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A fase crónica resulta no esgotamento do sistema imunitário, principalmente através de uma perda progressiva de células T CD4. Pode durar vários anos e ser acompanhada de pequenas perturbações cutâneas e digestivas, febre ligeira, suores noturnos, etc.
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A fase de SIDA (Síndrome de Imunodeficiência Adquirida) corresponde a um nível muito baixo de linfócitos T CD4 e ao surgimento de doenças oportunistas (que “aproveitam” a fragilidade do sistema imunitário para se desenvolverem), como infeções graves ou certos tipos de cancro4.
Microbiota intestinal e VIH: uma nova arma de prevenção?
Isto significa que a composição da microbiota intestinal desempenha algum papel na suscetibilidade à infeção pelo VIH? Apoiando-se também nas descobertas semelhantes de outra equipa americana5, os investigadores acreditam que esta pista deve ser seguida em estudos com maior número de participantes. A esperança deles? Que a determinação de um “perfil de microbiota intestinal” associado a uma maior suscetibilidade à infeção possa contribuir para uma prevenção mais direcionada. E porque não, mediante intervenção na microbiota intestinal das pessoas em risco6.
Esta descoberta não contradiz a ideia de que o próprio VIH causa disbiose, apontam os investigadores: a curta duração do estudo simplesmente não permitiu observar as alterações na composição da microbiota intestinal que ocorrem na fase crónica de infeção pelo VIH. Os resultados, por terem sido obtidos num pequeno grupo com um perfil específico, também não podem ser generalizados para toda a população.
A microbiota intestinal
- Fulcher JA, Li F, Tobin NH, et al. Gut dysbiosis and inflammatory blood markers precede HIV with limited changes after early seroconversion. EBioMedicine. 2022;84:104286
- Noguera-Julian M, Rocafort M, Guillen Y, et al. Gut microbiota linked to sexual preference and HIV infection. EBioMedicine. 2016;5:135–146.
- Armstrong AJS, Shaffer M, Nusbacher NM, et al. An exploration of Prevotella-rich microbiomes in HIV and men who have sex with men. Microbiome. 2018;6(1):198.
- Collège des Universitaires de Maladies Infectieuses et Tropicales. Infection à VIH, UE6 n° 165. ECN Pilly 6ème édition 2020. Alinéa Plus, Paris ; p 195-210
- Chen Y, Lin H, Cole M, et al. Signature changes in gut microbiome are associated with increased susceptibility to HIV-1 infection in MSM. Microbiome. 2021;9(1):237
- UCLA Health Newsroom : Gut bacteria may contribute to susceptibility to HIV infection, UCLA-led research suggests (29/09/22) https://www.uclahealth.org/news/gut-bacteria-may-contribute-susceptibility-hiv-infection