Resistência aos antibióticos: a microbiota intestinal ganha terreno
E se, face à resistência aos antibióticos, a nossa microbiota intestinal se tornasse na nova cura? Um estudo recente 1 revela que um conjunto de bactérias intestinais “boas” pode ser o nosso melhor aliado contra as infeções resistentes.
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Sobre este artigo
As infeções intestinais resistentes aos antibióticos causadas pelo recurso prolongado a antibióticos ou pelas doenças inflamatórias crónicas do intestino (
(sidenote:
DICI
As doenças inflamatórias crónicas do intestino caracterizam-se por uma inflamação crónica do aparelho digestivo devido a uma disfunção do sistema imunitário. Nelas se incluem a doença de Crohn e a colite ulcerosa, que causam crises inflamatórias suscetíveis de requerer hospitalização em 15% dos casos. Não existe tratamento curativo. Em 2019, 4,9 milhões de pessoas sofriam de DICI em todo o mundo.
Aprofundar:
Inserm
)
) são uma ameaça cada vez mais frequente, sobretudo nos hospitais. As principais culpadas são
(sidenote:
Bactérias patogénicas
Tipos de bactérias que podem causar doenças infeciosas. A OMS identificou 15 famílias de bactérias resistentes aos antibióticos que representam atualmente uma ameaça para a saúde humana, classificadas de acordo com o seu grau de prioridade:
• Prioridade crítica: é o caso, por exemplo, do Mycobacterium tuberculosis, que causa a tuberculose, e também da família Enterobacteriaceae (incluindo a Escherichia coli e a Klebsiella pneumoniae), na origem de muitas infeções hospitalares.
• Prioridade alta: inclui outras bactérias da família Enterobacteriaceae, em particular a Salmonella typhi (febre tifoide) e a Shigella (shigelose), cujo ressurgimento é um problema nos países de baixa renda, bem como o Staphylococcus aureus, que levanta sérios problemas nos estabelecimentos de saúde.
• Prioridade média: aqui se encontram os estreptococos, que causam infeções especialmente perigosas nas pessoas vulneráveis (recém-nascidos e idosos).
Aprofundar:
WHO
)
do trato digestivo como a Escherichia coli ou a Klebsiella pneumoniae. Face a estas resistências, alguns investigadores exploram agora uma abordagem surpreendente que consiste em utilizar as bactérias “boas” do nosso intestino para eliminar as más. E identificaram recentemente um grupo especialmente eficaz destas bactérias benéficas que poderá constituir uma alternativa natural aos antibióticos.
1,27 milhões
Segundo a OMS, a resistência aos antimicrobianos (incluindo a resistência aos antibióticos) causou a morte de 1,27 milhões de pessoas em 2019 e contribuiu para 4,95 milhões de óbitos em todo o mundo. 2
Uma combinação vencedora: o poder das bactérias boas
Os cientistas desenvolveram uma mistura de 18 estirpes de (sidenote: Bactérias comensais Tipos de bactérias que coexistem pacificamente com seu hospedeiro, particularmente no intestino. Podem ter efeitos benéficos para o organismo, reforçando o sistema imunitário, auxiliando a digestão ou combatendo os agentes patogénicos. ) , designada F18-mix, a partir de amostras da microbiota intestinal de pessoas saudáveis. Esta mistura foi testada em ratos e revelou uma eficácia notável na redução da presença de Escherichia coli e Klebsiella pneumoniae no intestino, salvaguardando também as bactérias benéficas da flora intestinal.
26 %
Um inquérito realizado pelo Observatório Internacional da Microbiota revela que apenas 26% da população sabe o que é a microbiota intestinal, um valor que tem vindo a aumentar, mas que mostra a falta de sensibilização para a importância da microbiota na saúde. 3
Qual o segredo? Para eliminarem as suas adversárias, as bactérias do F18-mix competem com as bactérias patogénicas para se alimentarem de determinados açúcares presentes no intestino, como o gluconato. Ao apoderarem-se deles, privam as bactérias nocivas desses recursos e impedem-nas de colonizar o intestino.
Antibióticos: várias táticas para combater as bactérias
Os antibióticos são mais ou menos como soldados que são enviados para a guerra para combaterem as bactérias responsáveis pelas infeções. Para tal, podem matar diretamente as bactérias ou impedir a sua multiplicação. Usam várias táticas, dependendo do alvo:
- A parede bacteriana: certos antibióticos impedem a construção desta armadura protetora e, sem esta proteção, as bactérias rebentam e morrem.
- A membrana celular: certos antibióticos provocam derrames nesta estrutura que envolve a bactéria. A perda da borda da bactéria leva à destruição desta.
- A síntese de proteínas: alguns antibióticos bloqueiam a produção de proteínas, que são os elementos necessários para o funcionamento das bactérias. Isto equivale a desativar a sua "fábrica interna"
- A síntese do ADN: é a criação de ADN que permite às bactérias reproduzirem-se. Alguns antibióticos bloqueiam a produção de ADN, impedindo que as bactérias se multipliquem.
- O metabolismo bacteriano: há antibióticos que bloqueiam reações químicas essenciais para o desenvolvimento de bactérias.
Mas convém lembrar que o inimigo único dos antibióticos são as bactérias, eles não entram em guerra com os vírus, por exemplo. Portanto, devem ser utilizados com prudência, caso contrário, as bactérias acabarão por aprender os seus truques e tornar-se-ão resistentes... e então serão elas a vencer! 4
Antibióticos: que impacto na microbiota e na saúde?
Rumo a novos tratamentos microbióticos?
O F18-mix não se limita a repelir as bactérias patogénicas resistentes aos antibióticos: os investigadores demonstraram que, em ratos com doenças inflamatórias intestinais, como a colite ou a doença de Crohn, também ajuda a reduzir os sintomas clínicos da doença e a atenuar a inflamação.
Embora estes resultados sejam encorajadores, a investigação ainda se encontra numa fase experimental. Uma vez que os testes foram efetuados em ratos, serão necessários mais estudos para se confirmar a eficácia do tratamento em seres humanos. Mas as bactérias resistentes têm motivos para se preocupar: a microbiota pode muito bem mudar as regras do jogo e revolucionar os nossos futuros tratamentos.
WAAW (Semana Mundial de Sensibilização para a Resistência aos Antimicrobianos)
A Semana Mundial de Sensibilização para a Resistência aos Antimicrobianos da OMS é um evento anual que decorre de 18 a 24 de novembro. Tem por objetivo informar os profissionais de saúde, os decisores e o público em geral sobre os riscos da resistência aos antimicrobianos associada à respetiva utilização excessiva ou inadequada. Pretende-se assim promover práticas responsáveis com vista a preservar a eficácia dos tratamentos e a melhorar a saúde mundial. O seu lema é “Antimicrobianos: usar com cuidado”.