Prevenir a alergia aos amendoins através da microbiota?
Poderá um desequilíbrio no microbiota intestinal desempenhar algum papel no desenvolvimento da alergia aos amendoins? Esta é a hipótese de um estudo realizado ao longo de quase 10 anos e publicado na prestigiada revista JACI.
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Sobre este artigo
Alergia aos amendoins: um problema vulgar mas grave para as nossas crianças. Sabia que esta alergia afeta cerca de 2% das crianças nos países ocidentais? 1 Dificuldades respiratórias, inchaço da garganta, diarreia, náuseas, erupções cutâneas, desmaios, etc. Os sintomas variam em gravidade, mas o mais preocupante é a anafilaxia ou choque anafilático
– uma reação intensa de todo o corpo que pode ser fatal. 2,3 Esta alergia manifesta-se frequentemente na primeira infância e, ao contrário de outras alergias alimentares, pode ser muito mais grave, prolongando-se até à idade adulta em 80% dos casos. 1
2% Esta alergia afeta cerca de 2% das crianças nos países ocidentais
80% Esta alergia pode ser muito mais grave, prolongando-se até à idade adulta em 80% dos casos
Microbiota e alergia alimentar: existe alguma ligação?
E a microbiota intestinal? Há vários anos que sabemos que as comunidades microbianas que povoam o intestino também desempenham um papel fundamental na construção do sistema imunitário. Estudos recentes sugerem mesmo que a microbiota intestinal pode estar envolvida no desenvolvimento de alergias alimentares. Os pacientes com alergias alimentares apresentam uma microbiota intestinal desequilibrada.
Então, o que é que acontece durante a primeira infância, antes mesmo que as alergias se desenvolvam? Esta é a pergunta a que investigadores americanos tentaram responder, analisando o microbiota de 122 crianças desde a primeira infância até ao aparecimento da alergia, com o objetivo de compreender melhor como se desenvolvem as alergias para que um dia possam ser prevenidas.
O sistema imunitário
Os primeiros anos de vida de uma criança são cruciais, pois é durante este período que o sistema imunitário se desenvolve intensamente, influenciando imenso a capacidade dessa criança para combater infeções e alergias mais tarde na vida.
Diz-me a tua microbiota, dir-te-ei a tua futura alergia...
A primeira constatação dos investigadores foi que os doentes que desenvolveram a alergia ao amendoim por volta dos 9 anos de idade tinham uma microbiota intestinal pouco diversificada durante os primeiros meses de vida. As suas comunidades microbianas evoluíram de forma mais dinâmica, com uma distribuição menos homogénea das espécies em comparação com a microbiota das crianças que não desenvolveram alergias, cuja flora intestinal evoluiu de forma mais contínua e homogénea ao longo do tempo.
A alergia ao leite de vaca e a microbiota intestinal estão relacionadas?
A segunda descoberta foi que certas espécies do género Clostridium estavam mais presentes nos bebés que não eram posteriormente alérgicos ao amendoim, enquanto as bactérias Streptococcus sp estavam, pelo contrário, mais presentes naqueles que desenvolveram esta alergia. Cerca dos nove anos de idade, as conhecidas bactérias benéficas Bifidobacterium eram mais prevalentes nos indivíduos não alérgicos.
Para além destas alterações na abundância de certas bactérias, que diferiam entre os dois grupos de crianças, os autores observaram que os metabolitos produzidos pela microbiota – o metaboloma – eram diferentes nas crianças que desenvolveram alergia. Em particular, certos ácidos gordos de cadeia curta (sidenote: Ácidos Gordos de Cadeia Curta (AGCC) Os Ácidos Gordos de Cadeia Curta são uma fonte de energia (carburante) das células do indivíduo, interagem com o sistema imunitário e estão envolvidos na comunicação entre o intestino e o cérebro. Silva YP, Bernardi A, Frozza RL. The Role of Short-Chain Fatty Acids From Gut Microbiota in Gut-Brain Communication. Front Endocrinol (Lausanne). 2020;11:25. ) , como o butirato e o isovalerato, diminuíram ao longo do tempo nos pequenos pacientes futuras vítimas de alergia. Ora, o isovalerato é já conhecido pelas suas propriedades protetoras contra a alergia (asma e atopia).
O desenvolvimento da alergia ao amendoim foi associado a alterações em 139 metabolitos, em particular ligados a uma via metabólica da histidina, um precursor da histamina, molécula bioativa que é libertada durante as reações alérgicas.
Rumo a uma prevenção precoce desta alergia?
Os autores aventam a hipótese de o desenvolvimento de alergias poder estar ligado a uma microbiota menos diversificada nos bebés, associada a alterações na abundância de certas bactérias específicas numa idade fundamental para o desenvolvimento do sistema imunitário. Estas informações permitem compreender melhor o mecanismo subjacente ao desenvolvimento da alergia ao amendoim e poderão conduzir a terapias baseadas na microbiota para a prevenir.