Cancro do colo do útero: o cerco aperta-se em torno da L. iners
De acordo com um estudo longitudinal realizado na China, a relativa abundância vaginal da bactéria L. iners reduz as possibilidades de eliminação espontânea do papilomavírus humano (HPV) 12 meses após a infeção. Trata-se de um potencial alvo terapêutico a ser explorado mais aprofundadamente para prevenir o cancro do colo do útero.
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Sobre este artigo
A infeção sexual por papilomavírus humano (HPV) é vulgar e geralmente transitória, desaparecendo no prazo de 24 meses em 80% dos casos. Mas em 1 em cada 5 mulheres, a infeção persiste. Sabe-se que o papilomavírus humano de alto risco (hr-HPV) é a principal causa do cancro do colo do útero. Os fatores que determinam a infeção inicial e posteriormente o desaparecimento ou não do hr-HPV e a eventual evolução para cancro são múltiplos: atividade sexual, tabagismo, contraceção oral, etc.. Uma lista de fatores aos quais foi acrescentada nos últimos anos a microbiota vaginal. Daí o interesse deste estudo, que monitorizou a microbiota do colo uterino de mulheres chinesas tratadas para infeção por hr-HPV e que apresentavam lesões do colo do útero confirmadas histologicamente, a maioria das quais de baixo grau.
Mais L. iners, menos curas espontâneas
A análise da microbiota (16S rRNA) das 73 mulheres incluídas, com idades entre os 24 e os 68 anos, revelou o desaparecimento do HPV em 45 das mesmas (61,6%) até ao final dos 12 meses do estudo. Nem a idade das pacientes, nem o estágio de sua doença, nem o subtipo de HPV, nem o (sidenote: Tipo de comunidade vaginal Foram descritos 5 tipos de comunidades vaginais, 4 dominados por lactobacilos (Lactobacillus crispatus, L. gasseri, L. iners ou L. jensenii) e um quinto caracterizado inversamente por um baixo teor em lactobacilos. ) ou diversidade dessa microbiota explicam a eliminação, ou não, do vírus. Contudo, há algumas espécies bacterianas que parecem estar envolvidas: as mulheres com menor presença no colo do útero de enterococcus ASV_62 e aumento de Lactobacillus iners quando foram incluídas no estudo apresentaram-se com menos probabilidades de ter eliminado o hr-HPV 12 meses mais tarde. A única exceção foram as 22 mulheres que foram submetidas a tratamento cirúrgico (conização) devido a lesões de alto grau, talvez porque o efeito imediato da resseção da lesão no desaparecimento do HPV mascara o efeito da flora.
99 % dos cancros do colo do útero estão relacionados com uma infeção por papilomavírus, um vírus extremamente vulgar que se transmite por contacto sexual.
4º O cancro do colo do útero é o quarto cancro mais comum nas mulheres.
570.000 mulheres Em 2018, houve cerca de 570.000 mulheres diagnosticadas com cancro do colo do útero em todo o mundo e cerca de 311.000 que morreram da doença.
Fontes: WHO.
Outra prova na acusação contra a L. iners
Uma possível ligação entre L. iners e hr-HPV tinha já sido detetada: uma meta-análise avançou um risco duplo ou mesmo triplo de hr-HPV persistente quando a microbiota vaginal é dominada por L. iners. Esta bactéria será tão flexível quanto adaptável: domina a microbiota vaginal de certas mulheres durante a menstruação ou os episódios de vaginose bacteriana. Por outro lado, uma microbiota vaginal dominada por L. iners (CST III) é também o tipo mais comum de comunidade bacteriana vaginal que se encontra na população feminina asiática em idade reprodutiva. A literatura atual ainda não nos permite afirmar, portanto, se este lactobacilo em particular deve ser considerado benéfico, patogénico... ou ambivalente. São também necessários mais estudos para esclarecer os mecanismos pelos quais a L. iners poderá promover a persistência da infeção ou a progressão das lesões, especialmente porque o presente trabalho abrange um pequeno número de pacientes, porque não teve em conta fatores de confusão como o tabagismo, e porque só durou um ano quando seriam necessários 24 meses de seguimento.
Shi W, Zhu H, Yuan L et al. Vaginal microbiota and HPV clearance: A longitudinal study. Front Oncol. 2022 Oct 24;12:955150.