Uma combinação de 18 bactérias comensais, a nova arma contra a resistência aos antibióticos?
Que tal se a solução para as infeções intestinais resistentes aos antibióticos estiver na nossa própria microbiota intestinal? Um recente estudo aponta para a utilização da flora comensal como forma de eliminar as enterobactérias resistentes aos antibióticos.
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Sobre este artigo
Todos os anos, durante a Semana Mundial de Sensibilização para a Resistência aos Antimicrobianos, a OMS alerta para o recurso excessivo a antibióticos, que propicia a colonização do intestino por agentes patogénicos resistentes. São visadas, em particular, as bactérias da família (sidenote: Enterobacteriaceae Enterobacteriaceae: família de bactérias Gram-negativas da ordem Enterobacterales, que inclui os géneros Escherichia e Klebsiella (dois agentes patogénicos altamente associados à resistência aos antibióticos), mas também Buttiauxella, Enterobacter, Gibbsiella, Salmonella e Shigella, entre outros. Aprofundar: LPSN ) como a Escherichia coli ou a Klebsiella pneumoniae, responsáveis por infeções graves, sobretudo a nível hospitalar e em pessoas que sofrem de doenças inflamatórias crónicas do intestino.
Para a prevenção destas resistências, parece surgir uma terapia alternativa: as bactérias comensais da microbiota intestinal. Contudo, embora o transplante de microbiota fecal pareça reduzir o número de enterobactérias patogénicas, os seus resultados são heterogéneos e suscitam problemas quanto à segurança.
Daí a alternativa apresentada num estudo publicado na Nature 1 : identificar uma combinação de bactérias comensais específicas com capacidade de eliminar as Enterobacteriaceae e compreender o seu modo de ação.
1,27 milhões
Segundo a OMS, a resistência aos antimicrobianos (incluindo a resistência aos antibióticos) causou a morte de 1,27 milhões de pessoas em 2019 e contribuiu para 4,95 milhões de óbitos em todo o mundo. 2
Uma combinação vencedora de 18 estirpes
Através da análise de amostras de fezes de 5 dadores humanos saudáveis, os investigadores isolaram 124 estirpes bacterianas. Entre as combinações testadas, identificaram um grupo de 18 estirpes sinérgicas, designado F18-mix, capaz de reduzir significativamente a prevalência de Klebsiella pneumoniae e Escherichia coli em (sidenote: Ratos axénicos o germ-free Ratos axénicos o germ-free: ratos criados em ambiente estéril e sem microrganismos, utilizados na investigação da microbiota. Pode ser-lhes administrada uma microbiota por via oral para estudo em condições controladas. ) .
Um aspeto positivo é que o F18-mix parece visar especificamente as Enterobacteriaceae e não afetar as outras bactérias comensais, preservando assim o equilíbrio ecológico do intestino e eliminando simultaneamente os agentes patogénicos.
A razão para a competição entre o F18-mix e as Enterobacteriaceae parece ser o acesso a fontes de carbono, em particular ao gluconato. Ao privar as Enterobacteriaceae deste açúcar essencial ao seu crescimento, o F18-mix impor-se-á, impedindo-as de proliferarem.
26 %
Um inquérito realizado pelo Observatório Internacional da Microbiota revela que apenas 26% da população sabe o que é a microbiota intestinal, um valor que tem vindo a aumentar, mas que mostra a falta de sensibilização para a importância da microbiota na saúde. 3
Rumo a uma futura terapia microbiótica?
Os investigadores testaram igualmente a eficácia do F18-mix num modelo de rato que recebeu microbiota de pacientes com doença de Crohn ou colite. Verificaram a existência não só de uma redução na prevalência de Enterobacteriaceae, mas também de um aumento da diversidade da microbiota. Nos ratinhos sensíveis à colite, o F18-mix foi mesmo eficaz na redução das pontuações histológicas da colite e dos biomarcadores de inflamação intestinal.
6 coisas a saber sobre os antibióticos
Portanto, este estudo abre caminho para o surgimento de tratamentos microbióticos seletivos destinados às infeções enterobacterianas. A flora comensal poderá constituir uma alternativa viável aos antibióticos, limitando-se assim a ocorrência de resistências. No entanto, estes resultados foram obtidos em condições controladas em modelos de ratinhos, sendo necessários ainda outros estudos para se comprovar a sua transponibilidade para o ser humano.
WAAW (Semana Mundial de Sensibilização para a Resistência aos Antimicrobianos)
A Semana Mundial de Sensibilização para a Resistência aos Antimicrobianos da OMS é um evento anual que decorre de 18 a 24 de novembro. Tem por objetivo informar os profissionais de saúde, os decisores e o público em geral sobre os riscos da resistência aos antimicrobianos associada à respetiva utilização excessiva ou inadequada. Pretende-se assim promover práticas responsáveis com vista a preservar a eficácia dos tratamentos e a melhorar a saúde mundial. O seu lema é “Antimicrobianos: usar com cuidado”.