Os antibióticos podem promover o crescimento de bactérias nocivas no intestino?
Os antibióticos salvam vidas, mas também podem ter consequências inesperadas. Uma nova investigação mostra como os antibióticos podem promover o crescimento de bactérias nocivas no intestino e indica o caminho para o desenvolvimento de novos tratamentos.
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Sobre este artigo
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A resistência aos antibióticos é um problema de saúde pública mundial premente que causou 1,27 milhões de mortes em todo o mundo em 2019 1. Uma das abordagens para prevenir estas infeções, em particular as Enterobacteriaceae resistentes aos carbapenemos (CRE), é perceber o que impulsiona a colonização do intestino por estas bactérias.
Os nossos intestinos albergam uma comunidade diversificada de bactérias benéficas que ajudam a evitar que agentes patogénicos nocivos como as CRE se instalem. As bactérias intestinais saudáveis têm mecanismos para impedir a colonização de agentes patogénicos, como a produção de moléculas benéficas, também chamadas metabolitos, como os (sidenote: Ácidos Gordos de Cadeia Curta (AGCC) Os Ácidos Gordos de Cadeia Curta são uma fonte de energia (carburante) das células do indivíduo, interagem com o sistema imunitário e estão envolvidos na comunicação entre o intestino e o cérebro. Silva YP, Bernardi A, Frozza RL. The Role of Short-Chain Fatty Acids From Gut Microbiota in Gut-Brain Communication. Front Endocrinol (Lausanne). 2020;11:25. ) . Os antibióticos de largo espetro perturbam estes mecanismos e promovem o crescimento de bactérias resistentes aos antibióticos.
40% a 50% As infeções por CRE estão associadas a taxas de mortalidade que podem atingir os 40% a 50%
Resistência aos antibióticos: uma ameaça mundial, uma resposta global
O efeito yin e yang!
Os antibióticos de largo espetro são responsáveis pelo aumento do risco de infeção por CRE? Sim, de acordo com o estudo publicado em 2023 na revista Nature Communication por um investigador do Imperial College de Londres 2.
Foram testados oito antibióticos de largo espetro em amostras fecais de dadores humanos saudáveis:
- meropenem
- imipenem/cilastatina
- ertapenem
- piperacillina/tazobactam
- ciprofloxacina
- ceftriaxona
- ceftazidima
- e cefotaxima
Estes antibióticos são conhecidos por promoverem a suscetibilidade à colonização intestinal por CRE. Os investigadores utilizaram um meio de crescimento específico para medir: 1) o impacto dos antibióticos na abundância de taxa comensais intestinais da microbiota fecal, e 2) a concentração de nutrientes e metabolitos microbianos nas culturas fecais.
O estudo demonstrou que os antibióticos de largo espetro, frequentemente utilizados para tratar infeções, podem perturbar o equilíbrio da microbiota intestinal. Eles reduzem a população de bactérias benéficas (incluindo Bifidobacteriaceae e Bacteroidales), facilitando o desenvolvimento de CRE.
O que foi ainda mais interessante é que quando se testou piperacilina/tazobactam num modelo de rato, estes antibióticos não só afetaram as bactérias como também alteraram o ambiente intestinal. Houve um aumento da disponibilidade de determinados nutrientes, como os aminoácidos, que promovem o crescimento de CRE. Este ambiente rico em nutrientes torna-se um terreno fértil para as bactérias resistentes.
Por outro lado, estes antibióticos diminuíram a concentração de metabolitos microbianos, como o butirato ou o propionato, alguns dos quais inibem o crescimento de CRE. Quando estes metabolitos estão esgotados, as CRE enfrentam menos obstáculos no seu caminho.
A resistência aos antibióticos
A resistência aos antibióticos é uma grande ameaça global e o aparecimento de CRE, agentes formidavelmente patogénicos, representa um sério desafio para a saúde pública. É fundamental compreender o papel da microbiota intestinal na resistência aos antibióticos.
Os ácidos gordos de cadeia curta (SCFAs) são metabolitos essenciais produzidos por bactérias intestinais benéficas que funcionam como guardiãs da saúde intestinal. No entanto, a utilização indiscriminada de antibióticos de largo espetro pode perturbar a microbiota intestinal, conduzindo a uma diminuição da produção de SCFAs e a um aumento do crescimento de bactérias resistentes aos antibióticos.
Enquanto profissionais de saúde, temos de estar atentos às intrincadas interações existentes na microbiota intestinal. Ao ponderarmos cuidadosamente o impacto dos antibióticos no delicado equilíbrio da microbiota, podemos dar um passo em frente no combate eficaz à resistência aos antibióticos e na defesa da saúde dos nossos doentes.
O que é a Semana Mundial de Conscientização sobre a RAM?
Todos os anos, desde 2015, a OMS organiza a Semana Mundial de Conscientização sobre a RAM (WAAW), que tem como objetivo aumentar a sensibilização para a resistência aos antimicrobianos a nível global.
Realizada entre 18 e 24 de novembro, esta campanha incentiva o público em geral, os profissionais de saúde e os decisores a utilizarem cuidadosamente os antimicrobianos, a fim de evitar o surgimento de uma maior resistência aos antimicrobianos.