Microbiota fúngica: o efeito inesperado de um antibiótico estrela
Os antibióticos favorecem o crescimento de fungos: este facto parecia ser um dado adquirido. No entanto, a amoxicilina-ácido clavulânico reduz a carga fúngica da micobiota intestinal, segundo sugere um estudo publicado na revista Microbiome. Esse efeito surpreendente, provavelmente ligado a um aumento das espécies Enterobacteriaceae, lança luz sobre o delicado equilíbrio entre as microbiotas bacteriana e fúngica nos intestinos.
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Sobre este artigo
Os fungos foram durante muito tempo negligenciados nos estudos sobre a microbiota intestinal (MI) em favor dos respetivos microrganismos maioritários, as bactérias. As suas relações com as comunidades bacterianas do trato intestinal e o impacto dos antibióticos na micobiota intestinal continuam a ser pouco conhecidos. Investigadores franceses debruçaram-se sobre o assunto, estudando o efeito da amoxicilina-ácido clavulânico (AMC) na MI bacteriana e fúngica de ratos e de lactentes.
Uma quebra inesperada, dependente dos antibióticos, na carga fúngica intestinal
O estudo que realizaram em ratos convencionais demonstrou, conforme o esperado, que a AMC administrada durante 10 dias reduzia a quantidade de bactérias presentes nas fezes e nos intestinos. Mas o tratamento também reduziu significativamente a população total de fungos em comparação com os controlos, o que já foi muito mais surpreendente! Um "cocktail" de antibióticos de largo espetro (ampicilina, metronidazol, neomicina, vancomicina [VA], etc.) apresentou o mesmo impacto. No entanto, quando os ratinhos receberam um transplante de microbiota fecal (TMF) de um adulto saudável, a resposta da micobiota ao tratamento revelou-se dependente do antibiótico: a carga fúngica foi efetivamente reduzida com AMC, mas aumentou com VA. Paralelamente, os investigadores analisaram 19 amostras de MI de 7 bebés com idades compreendidas entre os 2 e os 4 meses tratados com amoxicilina (AMX) devido a otite média: este antibiótico, muito semelhante ao AMC, reduziu igualmente a carga bacteriana e fúngica entre o início e o fim do tratamento.
Antibióticos: Dr. Jekyll e Mr. Hyde
Equilíbrio bacteriano e fúngico alterado pela amoxicilina-ácido clavulânico
Os investigadores verificaram que a diversidade alfa e beta da população fúngica nas fezes dos ratinhos convencionais tratados com AMC tinha diminuído, embora a proporção de Aspergillus, Cladosporium e Valsa tenha aumentado em comparação com os ratinhos não tratados. A diversidade alfa bacteriana foi igualmente reduzida, mas a análise diferencial revelou uma mudança nas famílias bacterianas da MI após o tratamento, com um aumento de Enterobacteriaceae.
Suspeitando da existência de uma ligação entre o aumento desta família de bactérias e a redução da carga fúngica, os investigadores incubaram com S. cerevisiae 13 isolados bacterianos provenientes das fezes de ratinhos tratados com AMC: 9 inibiram o crescimento de leveduras, sendo todas Enterobacteriaceae. Estas Enterobacteriaceae, em particular E. hormaechei, reduziram também a proliferação de Candida albicans. Além disso, em ratinhos submetidos a transplante de microbiota fecal (TMF) humana, a colistina, que tem precisamente como alvo as Enterobacteriaceae, aumentou a carga fúngica intestinal. Após mais testes in vitro e in vivo que lhes permitiram observar as interações entre as bactérias intestinais e os fungos, os investigadores concluíram que as Enterobacteriaceae estavam, pelo menos em parte, envolvidas na disbiose da micobiota intestinal causada pela AMC. Poderá haver vários mecanismos em jogo, entre os quais o da competição entre estas bactérias e os fungos por certos nutrientes.
O fim de um paradigma?
Embora concentrado em ratos e numa pequena coorte de bebés, este estudo vem colocar em causa um equívoco comum: nem todos os antibióticos promovem a proliferação de fungos na MI. A amoxicilina-ácido clavulânico, um antibiótico amplamente receitado, reduz a abundância global da população fúngica intestinal, remodelando simultaneamente a composição da MI em termos de espécies fúngicas e bacterianas. Esta investigação revela também as ligações estreitas entre as comunidades bacterianas e os fungos da microbiota intestinal, através das alterações complexas que os antibióticos podem induzir no equilíbrio das respetivas populações. A confirmação destes resultados em coortes mais alargadas poderá provocar alterações na prática clínica, particularmente em situações em que a micobiota desempenhe um papel importante na saúde do paciente.
O que é a Semana Mundial de Conscientização sobre a RAM?
Todos os anos, desde 2015, a OMS organiza a Semana Mundial de Conscientização sobre a RAM (WAAW), que tem como objetivo aumentar a sensibilização para a resistência aos antimicrobianos a nível global.
Realizada entre 18 e 24 de novembro, esta campanha incentiva o público em geral, os profissionais de saúde e os decisores a utilizarem cuidadosamente os antimicrobianos, a fim de evitar o surgimento de uma maior resistência aos antimicrobianos.