A microbiota intestinal de doentes pós-Covid-19 induz inflamação pulmonar e disfunção cerebral em ratinhos [1]
Viviani Mendes de Almeida
Laboratório de Microbiota e Imunomodulação - Departamento de Bioquímica e Imunologia, Instituto de Ciências Biológicas, Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG, Belo Horizonte, Brasil
Angélica Thomaz Vieira
Laboratório de Microbiota e Imunomodulação - Departamento de Bioquímica e Imunologia, Instituto de Ciências Biológicas, Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG, Belo Horizonte, Brasil
Daiane Fátima Engel
Departamento de Análises Clínicas, Escola de Farmácia, Universidade Federal de Ouro Preto - UFOP, Ouro Preto, Brasil e Centro de Neurociência Social e Afetiva, Universidade de Linköping, Linköping, Suécia
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Sobre este artigo
Viviani Mendes de Almeida
A Dr.ª Viviani é aluna de doutoramento sob a orientação da Prof.ª Angélica Thomaz Vieira. Viviani Mendes foi selecionada a partir da chamada especial de artigos da Revista Microbiota. Ela nos faz um tour pela sua recente publicação sobre a influência da microbiota nos efeitos pós-Covid. O seu estudo foi recentemente publicado na revista Gut Microbes [1].
O que é que já sabemos sobre este assunto?
A Covid-19 causou estragos à escala global, resultando em milhões de casos confirmados e mortes em março de 2023. As complicações a longo prazo da Covid-19 são generalizadas, afetando mesmo indivíduos com casos ligeiros ou assintomáticos. Entre as respostas fisiopatológicas desencadeadas pela infeção por Sars-CoV-2, vários estudos relacionaram os sintomas gastrointestinais e a alteração da microbiota intestinal na Covid-19 durante e após a infeção. Relativamente à infeção por SARS-CoV-2, a evidência crescente apoia o papel da microbiota intestinal na influência da gravidade da Covid-19 e nos efeitos pós-Covid [2].
A disbiose, um desequilíbrio na composição da microbiota intestinal, é um fator crítico no desenvolvimento de várias doenças. Casos graves de Covid-19 têm sido associados a alterações da microbiota intestinal que podem persistir por até um ano após a infeção inicial [3, 4]. No entanto, até agora, sabia-se que a Covid-19 pode alterar a composição da microbiota intestinal, mas não tínhamos conhecimento dos efeitos causais que a microbiota pós-Covid pode ter na fisiologia do hospedeiro.
Quais são as principais conclusões deste estudo?
A análise da microbiota de 72 indivíduos com história de Covid-19 (grupo pós-Covid) e 59 controlos saudáveis não revelou diferenças significativas na diversidade da microbiota intestinal (diversidade α e β) entre os grupos, enquanto os indivíduos pós-Covid apresentaram uma maior prevalência de estirpes de Enterobacteriaceae com fenótipos resistentes a medicamentos. Uma proporção maior de indivíduos pós-Covid relatou o uso de antibióticos, provavelmente devido ao tratamento da Covid-19. É importante ressaltar que as cepas de Klebsiella, associadas à resistência antimicrobiana (AMR), estavam notavelmente aumentadas na microbiota intestinal pós-Covid (figura 1).
Para compreender a contribuição direta do microbiota pós-Covid para o hospedeiro, foi realizado um transplante de microbiota fecal (FMT) em ratinhos sem germes, utilizando amostras de dadores pós-Covid e de controlo. Os ratinhos pós-Covid apresentaram inflamação pulmonar (figura 2A).
Também eram mais suscetíveis à infeção por pneumonia por Klebsiella multirresistente, apresentando uma patologia pulmonar mais grave e infiltração de células inflamatórias, mas eram menos eficientes na eliminação das bactérias. O aumento dos níveis de Enterobacteriaceae no sangue dos ratinhos pós-Covid sugere uma translocação sistémica. Além disso, foram observados níveis reduzidos de acetato sérico em ratinhos infetados com Klebsiella pneumonia pós-Covid (figura 2A).
Os ratinhos pós-Covid apresentaram perturbações da memória em testes cognitivos comportamentais, juntamente com um aumento da expressão de TNF e uma diminuição dos fatores neuroprotetores no hipocampo (figura 2B). A administração de uma estirpe probiótica a ratinhos infetados com um coronavírus murino impediu a perda de memória, reduziu a perda de peso e a inflamação do tecido pulmonar.
Quais são as consequências na prática?
Este estudo alerta para a relação entre a Covid-19 e o peso global da resistência antimicrobiana. Além disso, destaca pela primeira vez o efeito causal da microbiota pós-Covid nas alterações pulmonares e do sistema nervoso.
- As estirpes de Enterobacteriaceae com um fenótipo de resistência aos antibióticos estão altamente presentes na microbiota intestinal de indivíduos pós-Covid.
- Os ratos transplantados com amostras pós-Covid apresentaram inflamação pulmonar e dificuldade em lidar com uma infeção pulmonar por Klebsiella pneumoniae multirresistente.
- Os ratinhos transplantados com amostras pós-Covid também apresentaram um défice de desempenho cognitivo, mesmo após a eliminação do vírus.
CONCLUSÃO
O estudo fornece provas irrefutáveis de que a microbiota intestinal de indivíduos após a infeção por SARS-CoV-2, mesmo após a eliminação do vírus, pode levar a inflamação pulmonar, a perturbações cognitivas e a uma maior suscetibilidade a infeções secundárias em ratinhos. Destaca o potencial de intervenções baseadas em microbiomas, como os probióticos, para mitigar as sequelas pós-Covid.
1. Mendes de Almeida V, Engel DF, Ricci MF, et al. Gut microbiota from patients with Covid-19 cause alterations in mice that resemble post-Covid symptoms. Gut Microbes 2023; 15: 2249146.
2. Zuo T, Liu Q, Zhang F, et al. Depicting SARS-CoV-2 faecal viral activity in association with gut microbiota composition in patients with Covid-19. Gut 2021; 70: 276-84.
3. Chen Y, Gu S, Chen Y, et al. Six-month follow-up of gut microbiota richness in patients with Covid-19. Gut 2022; 71: 222-5.
4. Liu Q, Mak JWY, et al. Gut microbiota dynamics in a prospective cohort of patients with postacute Covid-19 syndrome. Gut 2022; 71: 544-52.