As bactérias intestinais envolvidas na apneia do sono
A microbiota intestinal era suspeita de estar envolvida na apneia do sono. Um estudo 1 de randomização mendeliana confirma a sua relação causal, apontando o dedo às bactérias e aos metabolitos bacterianos.
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Sobre este artigo
A apneia obstrutiva do sono, que pode surgir tanto em tenra idade como em idosos, tem por base uma etiologia complexa (hipertrofia das amígdalas nas crianças, redução do volume pulmonar, obesidade...).
A microbiota intestinal é igualmente referida em diversos estudos que sugerem a existência de disbioses, mas a sua função causal ainda continua por comprovar. Foi justamente isto que fez uma equipa chinesa através de uma randomização mendeliana, que permite excluir vários fatores de confusão e preconceito, bem como demonstrar que a microbiota e os seus metabolitos são a causa, e não a consequência, da apneia.
O efeito protetor da família Ruminococcaceae
Na prática, os investigadores realizaram o estudo a partir de bases de dados pré-existentes: de um lado a apneia, os dados genéticos do projeto finlandês FinnGen 2 que teve a participação de 33 423 pacientes que sofriam de apneia e de 307 648 testemunhos; do outro a microbiota, os dados do consórcio MiBioGen 3 que reuniu e analisou os genótipos e os dados da microbiota fecal 16S de 18 340 pessoas.
A randomização mendeliana levou a 196 táxons bacterianos intestinais, 83 tipos de metabolitos microbianos e o risco de apneia. Ela evidenciou que determinadas bactérias aumentavam o risco (o género Ruminococcaceae UCG009 e o género Subdoligranulum) enquanto outras (família Ruminococcaceae, género Coprococcus2, género Eggerthella, e o género Eubacterium) o reduziam.
O efeito protetor da família bacteriana Ruminococcaceae poderia passar pela capacidade destas bactérias de produzir (sidenote: Ácidos Gordos de Cadeia Curta (AGCC) Os Ácidos Gordos de Cadeia Curta são uma fonte de energia (carburante) das células do indivíduo, interagem com o sistema imunitário e estão envolvidos na comunicação entre o intestino e o cérebro. Silva YP, Bernardi A, Frozza RL. The Role of Short-Chain Fatty Acids From Gut Microbiota in Gut-Brain Communication. Front Endocrinol (Lausanne). 2020;11:25. ) que reduziam a inflamação, reforçavam a barreira intestinal e limitavam a proliferação de bactérias patogénicas, mas também pelo seu envolvimento no metabolismo dos ácidos biliares, conhecidos pelo seu papel no sono e na regulação dos seus ciclos.
Os metabolitos microbianos incriminados
O estudo aponta igualmente a função de outros metabolitos microbianos: a leucina e a 3-desidrocarnitina são associados a um maior risco de apneia enquanto que a gama-glutamilvalina e a betaína demonstram efeitos protetores. No entanto, determinadas moléculas foram já incriminadas em estudos anteriores: índices elevados de leucina foram observados em crianças com apneia do sono. Por outro lado, em pacientes a quem foi prescrita uma máscara para o tratamento da apneia, os índices de leucina reduziram significativamente.
Desta forma, as perturbações da nossa microbiota intestinal e as alterações dos metabolitos produzidos pelas bactérias do nosso tubo digestivo parecem ter, conforme o seu perfil, consequências benéficas ou prejudiciais na apneia do sono. Esta relação causal poderá passar por uma resposta sistémica pró-inflamatória.
Estes resultados abrem o caminho a outros trabalhos: estudos em populações não finlandesas, descodificação das interações entre a microbiota e a imunidade, flora e inflamação e o eixo intestino-cérebro, estudo de intervenção para medir o efeito da alimentação, de probióticos ou de um transplante fecal ao nível dos sintomas dos doentes.