Qual o impacto dos contracetivos nas nossas microbiotas? É o dobro ou nada!
Será que as hormonas dos contracetivos femininos maltratam as microbiotas? Tudo depende de qual delas, responde a ciência: a microbiota vaginal, dominada por lactobacilos, parece ser protegida, contrariamente à microbiota intestinal, que poderá ser ligeiramente afetada.
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Sobre este artigo
Qualquer mulher o sabe: as flutuações hormonais do ciclo menstrual afetam, entre outras coisas, a flora vaginal e o trânsito intestinal. Então, será que os contracetivos femininos, designadamente os que atuam a nível hormonal, podem alterar para o bem ou para o mal a dinâmica das microbiotas vaginal e intestinal?
Os contracetivos orais mimam a flora vaginal...
A microbiota vaginal possui uma característica que a torna extremamente singular: a sua boa saúde assenta numa diversidade bastante baixa, com predominância de umas bactérias em forma de bastonete, os lactobacilos, enquanto as outras microbiotas (como a intestinal) se consideram equilibradas quando, inversamente, possuem muita diversidade. Essa supremacia dos lactobacilos protege a vagina contra as infeções ao libertar, entre outras substâncias, ácido láctico que inibe a proliferação de microrganismos patogénicos. No entanto, pode acontecer que a referida flora dominante de lactobacilos fique desequilibrada ( (sidenote: Disbiose A "disbiose" não é um fenómeno homogéneo – varia em função do estado de saúde de cada indivíduo. É geralmente definida como uma alteração da composição e do funcionamento da microbiota, causada por um conjunto de fatores ambientais e relacionados com o indivíduo que perturbam o ecossistema microbiano. Levy M, Kolodziejczyk AA, Thaiss CA, et al. Dysbiosis and the immune system. Nat Rev Immunol. 2017;17(4):219-232. ) ) e seja substituída por outros tipos de bactérias, o que pode resultar em vaginose bacteriana. Porém, os contracetivos hormonais (orais ou vaginais) parecem reduzir o risco de se contrair esta doença1. Como? Ao mimarem os lactobacilos! Com efeito, os estrogénios fornecidos por esses contracetivos induzem a deposição nas paredes vaginais de quantidades significativas de glicogénio, o alimento preferido dos lactobacilos, que por isso se multiplicam e produzem mais ácido láctico. E quanto às outras formas de contraceção? Os estudos são ainda limitados, mas o anel vaginal não parece provocar alterações substanciais na flora vaginal, tal como o DIU (de cobre ou hormonal), que não manifesta qualquer efeito1.
… mas perturbam ligeiramente a microbiota intestinal
Contrariamente à microbiota vaginal, uma flora intestinal saudável deve ser diversificada. Mas a pílula mantém artificialmente níveis constantes de estrogénio e de progesterona em circulação, o que parece perturbar a microbiota intestinal. Assim, de acordo com um estudo recente realizado com 16 mulheres saudáveis em pré-menopausa2, estes contracetivos orais parecem gerar uma ligeira diminuição na riqueza da microbiota intestinal e uma alteração na abundância de vários géneros de bactérias. No entanto, é por enquanto impossível saber se as hormonas da pílula interagem diretamente com as bactérias intestinais ou se essa interação é indireta, ao afetarem outros processos fisiológicos que, por sua vez, têm efeitos nas bactérias intestinais. De qualquer forma, estes primeiros resultados evidenciam que a pílula poderá ter repercussões para a saúde das mulheres. Daí a necessidade de uma análise mais detalhada, no sentido de se obter uma perspetiva mais completa do impacto desses medicamentos na microbiota intestinal.
1 : Bastianelli C, Farris M, Bianchi P, et al. The effect of different contraceptive methods on the vaginal microbiome. Expert Rev Clin Pharmacol. 2021 Apr 23:1-16.
2 : Mihajlovic J, Leutner M, Hausmann B et al. Combined hormonal contraceptives are associated with minor changes in composition and diversity in gut microbiota of healthy women. Environ Microbiol. 2021 Apr 19.