Quando as viagens criam a resistência aos antibióticos
É necessária prudência se os seus pacientes estiverem a planear uma viagem ao estrangeiro: estas deslocações estão relacionadas com a disbiose intestinal em 61% dos viajantes americanos e a aquisição de resistência aos antibióticos ocorre em 38% deles. Impõe-se uma sensibilização sobre os procedimentos de higiene e nos países de maior risco.
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Sobre este artigo
É um dos reversos da medalha das viagens internacionais: favorecem, entre outros, a propagação de resistências aos antibióticos. Os conhecimentos sobre este assunto são, no entanto, muito parciais (estudos sobre pequenos grupos, microrganismos mal caracterizados...) apesar da ameaça que estas resistências apresentam, uma equipa fez uma análise extensiva das microbiotas de 267 americanos seguidos em 3 clínicas (Boston, Nova Iorque e Salt Lake City) antes e depois de uma viagem além-fronteiras.
5 milhões de mortes em todo o mundo
Nos Estados Unidos, os organismos com resistência (sidenote: Antimicrobianos Os antimicrobianos - como os antibióticos, os antivirais, os antifúngicos e os antiparasitários - são medicamentos para prevenir e tratar infeções nos seres humanos, nos animais e nos vegetais. https://www.who.int/news-room/fact-sheets/detail/antimicrobial-resistance ) estão associados a mais de 2,8 milhões de infeções e a 35.000 mortes por ano. Em 2019, estimava-se que quase 5 milhões de mortes em todo o mundo estavam associadas à RAM bacteriana, incluindo 1,27 milhões de mortes por causa direta. 1
Disbiose do viajante
Primeira conclusão do estudo: a viagem perturba a microbiota intestinal, com uma perda significativa da diversidade microbiana em 61% dos viajantes. Esta percentagem varia de acordo com o país de destino (vai de 42% dos viajantes na América central a 76% na América do Sul).
A abundância de Escherichia spp. e de muitas outras enterobactérias (Klebsiella, Enterobacter e Salmonella) aumenta pela aquisição de novas estirpes, ao passo que o tipo Alistipes praticamente desaparece. As viagens no sul da Ásia acentuam o risco de regresso com um passageiro intestinal clandestino. Contudo, o consumo de água da torneira não filtrada ou a vacinação prévia contra a febre tifoide parecem limitá-lo.
Quando as resistências viajam
Um terço dos 267 viajantes reportou diarreia, e em 18% dos casos esta foi tratada com antibióticos.
Mas sobretudo, no regresso de viagem, 38% dos 267 dos viajantes adquiriram, pelo menos, um dos 3 tipos de bactérias resistentes alvo deste estudo: entre eles 98% adquiriram
(sidenote:
Enterobactérias produtoras de betalactamases de espetro alargado (EBLSE):
As enterobactérias produtoras de enzimas (lactamases de espetro alargado) têm a capacidade de hidrolisar e de provocar resistência a diversos tipos de antibióticos mais recentes. A Klebsiella pneumoniae e a Escherichia coli são as principais representantes. As EBLSE, predominantes entre as bactérias multirresistentes, estão na origem de infeções potencialmente graves e da prescrição de antibióticos de espetro bacteriano alargado.
Fontes:
Pitout JD, Laupland KB. Extended-spectrum beta-lactamase-producing Enterobacteriaceae: an emerging public-health concern. Lancet Infect Dis. 2008 Mar;8(3):159-66. doi: 10.1016/S1473-3099(08)70041-0.
Et Vodovar D, Marcadé G, Raskine L et al. Entérobactéries productrices de bêta-lactamases à spectre élargi : épidémiologie, facteurs de risque et mesures de prévention [Enterobacteriaceae producing extended spectrum beta-lactamase: epidemiology, risk factors, and prevention]. La Revue de medecine interne, 34(11), 687–693. https://doi.org/10.1016/j.revmed.2012.10.365
)
(em 98 % dos casos uma E. Coli), 18% de enterobactérias resistentes à colistina e 3% de enterobactérias produtoras de carbapenemases.
Que fatores de risco favorecem a aquisição destas resistências? As visitas a amigos ou a familiares, uma viagem ao sul da Ásia e o consumo de vegetais crus. Por outro lado, a diversidade intestinal antes da partida, a presença de um táxon bacteriano específico, o consumo de comida de rua e a utilização de antibióticos não alteram o cenário.
Uma das 10 principais ameaças à saúde pública
A OMS declarou a resistência antimicrobiana como uma das 10 principais ameaças à saúde pública que a humanidade enfrenta. 2
Limitar os riscos
Na categoria das resistências adquiridas durante viagens, a fluoroquinolona foi particularmente assinalável: mais de um viajante em cada 2 (56%) não tem resistência antes da viagem e volta com, pelo menos, um gene associado a uma resistência a um antibiótico dessa classe. No total, o grupo de 267 viajantes voltou aos Estados Unidos com 72 novos genes de resistência, sendo 15 dos quais preocupantes em termos de saúde pública!
São resultados que suscitam alertas (sobretudo nos destinos de maior risco) e a necessidade de recordar os procedimentos corretos (o consumo de vegetais cozidos, a lavagem das mãos...). Inversamente, a modulação da microbiota intestinal antes da viagem (por exemplo, através de probióticos) não teria trazido qualquer vantagem adicional neste caso específico...
Semana Mundial de Consciencialização do Uso de Antimicrobianos
A Semana Mundial de Consciencialização do Uso de Antimicrobianos (em inglês: WAAW, World AMR Awareness Week) é assinalada anualmente entre 18 e 24 de novembro. Em 2023, o tema escolhido é “Prevenir a resistência antimicrobiana em conjunto”, tal como em 2022. Esta resistência é uma ameaça não só para os seres humanos, mas também para os animais, as plantas e o ambiente.
O objetivo da campanha é, por conseguinte, sensibilizar para a resistência antimicrobiana e promover as melhores práticas, com base no conceito "Uma só saúde", entre todas as partes interessadas (público em geral, médicos, veterinários, criadores e agricultores, decisores, etc.), a fim de reduzir o aparecimento e a propagação de infeções resistentes.