Disbiose intestinal em macacos infetados com SARS-CoV-2

Uma equipa francesa do Centro de Infeção e Imunidade de Lille, em colaboração com o CEA, o INRAE, o Instituto Pasteur e o Hospital Saint Antoine, demonstrou em macacos que o SARS-CoV-2, agente da Covid-19, induz uma disbiose intestinal que persistirá mesmo após a eliminação do vírus.

Publicado em 08 Junho 2021
Atualizado em 19 Agosto 2024
Actu PRO : Dysbiose intestinale chez les macaques infectés par le SARS-CoV-2

Sobre este artigo

Publicado em 08 Junho 2021
Atualizado em 19 Agosto 2024

A interação fortemente regulada entre a microbiota intestinal (MI) e o hospedeiro influencia múltiplas funções fisiológicas, nas quais se inclui a homeostase imunitária. Múltiplos dados pré-clínicos e clínicos mostram que a composição da microbiota intestinal é transitoriamente modificada no contexto de uma infeção respiratória viral aguda. No âmbito da Covid-19, o estudo da microbiota intestinal durante a infeção é especialmente relevante, uma vez que o SARS-CoV-2 possui recetores de ACE2 também no intestino, o vírus se deteta em mais de 25% dos pacientes infetados, e as alterações da microbiota intestinal associadas às patologias pulmonares podem influenciar a gravidade da doença . Este estudo pré-clínico é o primeiro a debruçar-se sobre a cinética da infeção por SARS-CoV-2 nas mudanças dinâmicas da microbiota intestinal de macacos.

O macaco: um bom modelo de infeção por SARS-CoV-2

Os dados humanos de que atualmente dispomos são muito importantes, mas não permitem acompanhar a totalidade da evolução da infeção (ou seja, desde antes da contaminação até depois da sua resolução). Os investigadores preencheram algumas das peças que faltavam no quebra-cabeças da infeção, recorrendo a duas espécies de macaco (Macaca fascicularis e Macaca mulatta). Estes primatas não humanos são um modelo pertinente para o estudo da Covid-19: os vírus replicam-se no seu trato respiratório superior e no inferior, induzindo patologia pulmonar e respiratória sem causar sintomas. Dois macacos de cada espécie foram infetados por via intranasal e endotraqueal. Foram colhidas amostras de sangue (medição de citoquinas) e de fezes 9 dias antes da infeção e em D0, e depois em D3, D5, D7, D10, D13, D20 e D26 após a infeção. Dois macacos apresentaram diarreia transitória em D4.

Covid-19: disbiose persistente, mesmo após a infeção...

A análise por sequenciação do gene do ARN ribossómico 16S revelou alterações significativas na composição da microbiota intestinal, com um pico a entre 10 e 13 dias após a infeção. Certas alterações da microbiota poderão persistir depois da eliminação do SARS-CoV-2 do trato respiratório superior (vírus indetetável na rinofaringe e na traqueia em D20, mas presente nas fezes de 2 macacos), e isso até ao 26.º dia. Foram observadas, durante a infeção, múltiplas mudanças na abundância de táxons bacterianos, especialmente em D13. A profusão relativa de Acinetobacter e de determinados géneros da família Ruminococcaceae foi, particularmente, associada afirmativamente à presença do vírus no trato respiratório superior.

…E a microbiota intestinal com a atividade funcional alterada

Foi utilizada uma abordagem metabolómica para avaliar as consequências funcionais das alterações na microbiota intestinal associadas com a infeção. Objetivo: quantificar três das mais importantes classes de metabolitos derivados da microbiota – ácidos gordos de cadeia curta (AGCC), ácidos biliares e metabolitos de triptofano. Os níveis de AGCC surgiram modificados durante a infeção, especialmente entre o 2.º e o 13.º dia. Além disso, foram identificadas várias mudanças nos ácidos biliares e nos metabolitos de triptofano dos animais infetados. A abundância relativa de vários táxons conhecidos por serem produtores de AGCC (principalmente da família das Ruminococcaceae) pôde ser negativamente correlacionada com determinados marcadores inflamatórios sistémicos, enquanto vários elementos do género Streptococcus surgiram, por sua vez, em estreita relação direta com os referidos marcadores. Este estudo demonstra que uma infeção experimental em macacos com SARS-CoV-2 promove a disbiose intestinal no que se refere à composição e à atividade funcional. A continuação da disbiose após a resolução da infeção poderá ter um papel importante nas formas longas de Covid-19 que são atualmente detetadas nos seres humanos.