Microbioma intestinal: o treinador invisível no desporto?
Os triliões de micróbios existentes no intestino, também denominados microbioma intestinal, têm suscitado muito interesse na última década pela capacidade de afetar a digestão, a fisiologia e talvez até o humor e a saúde mental. Contudo, com estudos recentes que sugerem uma relação bidirecional entre o exercício físico e o microbioma intestinal, os cientistas estão agora a começar a investigar também a função do microbioma intestinal como um treinador invisível no desporto que afeta o desempenho físico.
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Sobre este artigo
Atividade física e problemas gastrointestinais
A atividade física, pela sua natureza, provoca stresse no corpo, particularmente se for intensa ou prolongada. Enquanto uma quantidade moderada de exercício tem um efeito positivo na permeabilidade e inflamação intestinal 1, exercício constante e intenso pode ter efeitos prejudiciais na funcionalidade do intestino 2, tornando comuns perturbações e distúrbios gastrointestinais, especialmente em atletas de resistência. 3
Uma vez que o microbioma intestinal está associado à fisiologia gastrointestinal 4, o microbioma intestinal pode potencialmente contribuir para perturbações gastrointestinais e respostas fisiológicas ao exercício, influenciando o desempenho atlético.
Efeitos do exercício físico na microbiota intestinal
Em 2014, um estudo demonstrou que existe uma maior diversidade de micróbios e uma abundância relativa mais elevada de Akkermansia muciniphilia em atletas de rugby profissionais em comparação com controlos sedentários. 5 Desde então, vários estudos observacionais reportaram que o exercício físico está associado ao aumento da diversidade da microbiota intestinal e à abundância relativa de taxonomia bacteriana associada à saúde. 6,7
No entanto, os estudos de intervenção de exercício não foram, na sua generalidade, bem sucedidos no aumento da diversidade microbiana intestinal 8,9, sugerindo que outros fatores, tais como os hábitos alimentares, também podem contribuir para as diferenças observadas.
Efeitos da microbiota intestinal no exercício de resistência
Orientado para um efeito mais direto da microbiota intestinal no exercício de resistência, um estudo importante publicado na revista Nature Medicine em 2019 10, revelou que os maratonistas têm níveis elevados de Veillonella. Os investigadores descobriram que o lactato, formado durante resistência prolongada, era transportado da circulação para o intestino, onde era metabolizado por Veillonella em propionato.
Flora, microbiota, microbioma: falsos cognatos e sinónimos verdadeiros
Quando os cientistas alimentaram ratos com micróbios Veillonella que utilizam lactato ou administraram propionato através da infusão intracolónica, a resistência dos ratos melhorou, como refletido pela melhoria no desempenho em corrida numa passadeira. 10 Mas, o mais intrigante é que o estudo propunha que os micróbios intestinais poderiam melhorar diretamente o desempenho atlético. Outro estudo recente também reportou que o microbioma intestinal está envolvido em estimular os sinais derivados do intestino para o cérebro, afetando a motivação para o exercício físico nos ratos. 11
Estas descobertas sugerem que, ao se focarem no microbioma intestinal, os atletas podem potencialmente melhorar o desempenho atlético.
Estratégias alimentares focadas no intestino para influenciar o desempenho atlético
Uma forma óbvia de se focar no microbioma intestinal é através da alimentação, já que os micróbios se alimentam dos componentes alimentares que chegam ao cólon. Tradicionalmente, muitas estratégias alimentares direcionadas para o desporto focavam-se em ingerir quantidades elevadas de proteína e hidratos de carbono e quantidades reduzidas de fibra, bem como evitar alimentos. Embora essas estratégias possam ser suficientes para suportar o metabolismo do hospedeiro, restaurar as reservas de glicogénios e reduzir os problemas gastrointestinais durante o exercício 12, a falta de fibra alimentar pode, ao longo do tempo, ser prejudicial para a microbiota intestinal e para os hábitos intestinais do atleta. 13
Por outro lado, as estratégias alimentares direcionadas para o intestino, incluindo uma quantidade de fibra alimentar adequada de alimentos variados, probióticos e prebióticos, podem suportar um microbioma intestinal diversificado 13 e contribuir para hábitos intestinais regulares. 4 A ingestão de fibra alimentar e prebióticos alimentam os micróbios intestinais residentes, que servem de substratos para os micróbios. Quando estes componentes indigeríveis chegam ao cólon, os micróbios fermentam os mesmos em gás e produzem ácidos gordos de cadeia curta.
Embora demasiados gases possam causar desconforto e inchaço, os três principais ácidos gordos de cadeia curta resultantes (acetato, propionato e butirato) estão associados à saúde e integridade do cólon. Estas moléculas podem atuar localmente no intestino, afetando a função da barreira intestinal, a motilidade, o sistema nervoso e o sistema imunitário, bem como, em órgãos distantes, afetando o metabolismo do hospedeiro. 14
Os probióticos são outra forma de beneficiar o intestino
Os probióticos são organismos vivos que, quando administrados em quantidades adequadas, conferem benefícios à saúde. Vários estudos demonstraram que cadeias específicas de probióticos podem proteger contra problemas gastrointestinais e infeções no trato respiratório superior em atletas. 15–17 Contudo, de momento, os mecanismos subjacentes permanecem amplamente desconhecidos e os efeitos poderão ser dependentes de cadeias de probióticos, tornando-se complexo para os atletas.
Para nutrir o nosso treinador microbiano invisível no intestino, os cientistas e atletas necessitam de desenvolver estratégias alimentares focadas no intestino que, por um lado, reduzem os sintomas gastrointestinais durante o exercício físico e, por outro lado, suportam um microbioma intestinal diversificado, estimulam a fermentação do cólon e regulam as evacuações intestinais, aspetos que podem ser fundamentais para o desempenho atlético.
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2. Dokladny, K., Zuhl, M. N. & Moseley, P. L. Intestinal epithelial barrier function and tight junction proteins with heat and exercise. J Appl Physiol (1985) 120, 692–701 (2016).
3. De Oliveira, E. P., Burini, R. C. & Jeukendrup, A. Gastrointestinal complaints during exercise: prevalence, etiology, and nutritional recommendations. Sports Med 44 Suppl 1, (2014).
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8. Cronin, O. et al. A Prospective Metagenomic and Metabolomic Analysis of the Impact of Exercise and/or Whey Protein Supplementation on the Gut Microbiome of Sedentary Adults. mSystems 3, (2018).
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11. Dohnalová, L. et al. A microbiome-dependent gut-brain pathway regulates motivation for exercise. Nature 612, 739–747 (2022).
12. Lis, D. M., Stellingwerff, T., Kitic, C. M., Fell, J. W. & Ahuja, K. D. K. Low FODMAP: A Preliminary Strategy to Reduce Gastrointestinal Distress in Athletes. Med Sci Sports Exerc 50, 116–123 (2018).
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16. Sivamaruthi, B. S., Kesika, P. & Chaiyasut, C. Effect of Probiotics Supplementations on Health Status of Athletes. Int J Environ Res Public Health 16, (2019).
17. Schreiber, C., Tamir, S., Golan, R., Weinstein, A. & Weinstein, Y. The effect of probiotic supplementation on performance, inflammatory markers and gastro-intestinal symptoms in elite road cyclists. J Int Soc Sports Nutr 18, (2021).