Diversidade ou função: O que define uma microbiota saudável
Dentro de nós existe uma comunidade microbiana complexa, o microbioma intestinal, que exerce um grande impacto na nossa saúde. É um lugar onde ocorrem processos metabólicos essenciais influenciados pela alimentação, idade e ambiente. O foco não é apenas a variedade de micróbios, mas as funções essenciais que desempenham juntos. Considerando que um estado saudável é um equilíbrio dinâmico entre nós e estes micróbios, o que define um microbioma saudável?
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Sobre este artigo
Autor
Encontramo-nos numa era de exploração sem precedentes do mundo microscópico que existe dentro de nós: o microbioma intestinal. Uma recente e meticulosa análise científica 1 ançou luz sobre este complexo ecossistema, revelando as maravilhas e os mistérios das nossas comunidades microbianas internas.
Este artigo desafia a visão simplista da "disbiose", salientando que este termo, frequentemente utilizado para descrever um intestino desequilibrado, carece da precisão necessária para uma compreensão correta.
Coloca também uma questão fundamental: o que constitui verdadeiramente um microbioma "saudável"?
O que define um microbioma saudável?
A definição de um microbioma intestinal "saudável" é complexa, e vai além da simples ausência de doença.
Envolve a avaliação da estrutura, função e composição microbiana do intestino. Embora se pensasse que uma elevada diversidade de espécies microbianas fosse o principal marcador de um intestino saudável, agora entende-se que a (sidenote: Diversidade funcional Descreve a gama de atividades metabólicas realizadas pela microbiota intestinal. Trata-se de um indicador mais importante da saúde intestinal do que a simples diversidade taxonómica, pois diferentes composições microbianas podem desempenhar funções metabólicas semelhantes. A avaliação da diversidade funcional pode fornecer uma previsão mais exata dos estados fisiológicos do que apenas a diversidade composicional. ) , ta gama de atividades metabólicas que o microbioma realiza, é mais importante. Isto significa que diferentes composições microbianas podem desempenhar funções metabólicas semelhantes.
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A (sidenote: Especificidade da estirpe Este facto evidencia que diferentes estirpes da mesma espécie bacteriana podem ter efeitos muito diferentes no hospedeiro. Por exemplo, algumas estirpes de E. coli são patogénicas, enquanto outras, como a E. coli Nissle 1917, são benéficas. A compreensão dos efeitos específicos de cada estirpe é essencial para o desenvolvimento de terapias direcionadas e para a interpretação da investigação sobre o microbioma intestinal. ) também é vital: Diferentes estirpes da mesma espécie podem ter efeitos muito diferentes. Por exemplo, algumas estirpes de E. coli são patogénicas, enquanto outras, como a E. coli Nissle 1917, são benéficas.
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Metabolitos como (sidenote: Ácidos Gordos de Cadeia Curta (AGCC) Os Ácidos Gordos de Cadeia Curta são uma fonte de energia (carburante) das células do indivíduo, interagem com o sistema imunitário e estão envolvidos na comunicação entre o intestino e o cérebro. Silva YP, Bernardi A, Frozza RL. The Role of Short-Chain Fatty Acids From Gut Microbiota in Gut-Brain Communication. Front Endocrinol (Lausanne). 2020;11:25. ) , ácidos biliares (BAs) e metabolitos de triptofano são indicadores-chave de um microbioma funcional. Os AGCCs, como o butirato, são essenciais para a energia dos colonócitos e para a modulação imunitária.
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Os BAs, produzidos no fígado e modificados pelas bactérias intestinais, são cruciais para a digestão e sinalização das gorduras e a ação antimicrobiana.
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Outros indicadores incluem a produção de gás (hidrogénio, metano, sulfureto de hidrogénio), o pH intestinal e marcadores inflamatórios (calprotectina, lactoferrina).
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Por fim, a (sidenote: Resiliência Trata-se da capacidade que a microbiota intestinal possui de manter uma composição estável ao longo do tempo e de resistir a distúrbios como os antibióticos ou as mudanças alimentares. Uma microbiota resiliente pode recuperar-se rapidamente de perturbações, reduzindo o risco de problemas de saúde a longo prazo. ) , ou a capacidade que a microbiota intestinal possui de resistir a distúrbios, é um marcador crucial de um intestino saudável.
A camada de muco é também um componente essencial para um intestino saudável.
Esta camada, composta principalmente por água, eletrólitos, lípidos e mucinas, atua como uma barreira física, impedindo que as bactérias entrem em contacto direto com as células epiteliais intestinais.
Um intestino saudável é caracterizado por uma espessura de muco adequada que não é facilmente penetrável pelas bactérias. A renovação da (sidenote: Camada de muco Trata-se de uma barreira complexa e dinâmica que reveste o intestino, composta principalmente por água, eletrólitos, lípidos e mucinas. Separa fisicamente as bactérias do epitélio intestinal, impedindo o contacto direto e mantendo a integridade da barreira intestinal. A espessura e a renovação da camada de muco são cruciais para um intestino saudável. ) , que envolve a síntese, a secreção e a degradação, é um processo finamente ajustado, crucial para manter uma função de barreira adequada.
Fatores como os prebióticos, tais como os fruto-oligossacáridos (FOS) e a 2′-fucosilactose (2′FL), podem influenciar a produção, a composição e a degradação do muco, melhorando a integridade da barreira intestinal e contribuindo para a proteção contra distúrbios metabólicos.
A perturbação da camada de muco, como acontece com alguns emulsionantes alimentares, pode levar a um aumento da permeabilidade intestinal e da inflamação.
90-95% O muco é constituído predominantemente por vários componentes, incluindo 90-95% de água, eletrólitos, lípidos (1-2%), proteínas e outras substâncias. ¹
45% aproximadamente 45% das espécies bacterianas são semelhantes entre dois indivíduos. A sua microbiota partilha 82% de vias metabólicas comuns. ¹
O eixo intestino-fígado: uma via de sentido duplo
O intestino e o fígado interagem estreitamente através do eixo bidirecional intestino-fígado. O fígado, como local primário de desintoxicação e regulação metabólica, processa e neutraliza uma variedade de toxinas ambientais, medicamentos e subprodutos metabólicos provenientes do intestino.
O fígado produz BAs que são essenciais para a digestão de gorduras e também influenciam a composição e a função do microbioma intestinal. As bactérias intestinais metabolizam os BAs primários em BAs secundários, que têm diferentes funções, e algumas estão, inclusive, associadas à longevidade.
Embora o fígado esteja exposto a antigénios bacterianos derivados do intestino, normalmente não produz citocinas pró-inflamatórias. No entanto, os fígados saudáveis produzem moléculas anti-inflamatórias, como o antagonista do recetor da IL-1 (IL-1Ra), para atenuar a inflamação, bem como macrófagos imunossupressores específicos, que dependem da microbiota intestinal para controlar inflamações excessivas.
Fatores que moldam o ecossistema microbiano
O microbioma intestinal é dinâmico, influenciado pela idade, pelo modo de parto, pela alimentação e pelo estilo de vida.
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A idade e o modo de parto no momento do nascimento são críticos. Os bebés nascidos por via vaginal tendem a ter uma microbiota intestinal mais diversificada e equilibrada, tal como os bebés amamentados, que têm uma maior presença de bactérias benéficas como a Bifidobacterium spp.
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A alimentação é fundamental. As fibras alimentares, os prebióticos, os polifenóis e os oligossacáridos do leite humano (HMO) promovem os micróbios benéficos. Em contrapartida, as gorduras saturadas, os adoçantes artificiais e os emulsionantes podem perturbar o equilíbrio microbiano e prejudicar a função de barreira intestinal.
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Os emulsionantes comuns, como a carboximetilcelulose (CMC) e o polissorbato 80 (P80), perturbam a camada protetora de muco do intestino, levando a um aumento da permeabilidade intestinal e a inflamações.
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Os lípidos bioativos exercem também um papel crucial e bidirecional. Os lípidos do hospedeiro influenciam a microbiota intestinal e os micróbios intestinais produzem lípidos (por exemplo, AGCCs, BAs secundários e outras moléculas de sinalização) que exercem um impacto na regulação imunitária e na saúde metabólica.
Um microbioma intestinal saudável: mais do que apenas bactérias
Os desafios na definição de um microbioma intestinal "saudável" universalmente aceite tornam-se cada vez mais claros. A imensa variabilidade individual do microbioma intestinal, influenciada pela genética, alimentação, ambiente e estilo de vida, bem como a sua natureza dinâmica, dificulta o estabelecimento de normas universais.
A interação entre a microbiota intestinal, o sistema imunitário e os processos metabólicos representa um desafio multifacetado. Os estudos longitudinais são essenciais para compreender plenamente as alterações dinâmicas do microbioma intestinal e os impactos que exercem a longo prazo na saúde. Esta área complexa de investigação exige uma abordagem multidisciplinar, integrando a microbiologia, a genómica, a bioinformática, a investigação clínica e a medicina personalizada.