Destaques da Gut Microbiota for Health –World Summit 2023
Pelo Dr. Nicolas Benech
Gastroenterologia e Hepatologia, Grupo de Estudo do Microbiota HCL, Hospices Civils de Lyon, Lyon, França
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Sobre este artigo
A ciência da microbiota está a evoluir rapidamente e abrange atualmente um vasto leque de áreas de especialização científica e médica. É necessário estruturar estas descobertas e conceitos emergentes e levá-los ao maior número possível de pessoas. A Gut Microbiota for Health (GMFH) é uma organização resultante da European Society for Neurogastroenterology & Motility (ESNM), cuja missão é promover a informação e o debate científico em torno da microbiota intestinal, em particular no seio da comunidade científica e médica. Fundada em 2012, a ESNM organiza um simpósio anual para reunir especialistas em ciência da microbiota e promover um momento especial de interação aberto a cientistas e clínicos. Este ano, a 11.ª edição da Gut Microbiota for Health –World Summit teve lugar em Praga, na República Checa, nos dias 11 e 12 de março, com destaque para as últimas notícias sobre novos tratamentos e dietas dirigidos à microbiota. Eis uma seleção dos principais trabalhos e conceitos apresentados durante os dois dias.
A investigação sobre a microbiota intestinal está na fase de desenvolvimento de aplicações clínicas complexas, como o transplante de microbiota fecal (TMF), os probióticos de nova geração derivados da microbiota humano, os medicamentos desenvolvidos a partir de produtos microbianos (pós-bióticos) ou a construção de dietas baseadas no conhecimento das interações hospedeiro/microbiota. Os desafios e as questões suscitadas pela chegada à prática clínica destas novas formas de medicamentos levantam atualmente um grande número de questões regulamentares, éticas e científicas, que foram desenvolvidas ao longo do simpósio. Para abrir o simpósio, o Professor Eugène B. Chang (Chicago, Estados Unidos) introduziu os desafios e os novos conceitos suscitados pelo desenvolvimento desta nova medicina: a necessidade de definir um quadro regulamentar específico, de estabelecer normas industriais capazes de enquadrar o desenvolvimento de novos probióticos e a necessidade de compreender os tratamentos dirigidos aa microbiota numa perspetiva ecológica e dinâmica: por outras palavras, produtos evolutivos que se inserem num nicho ecológico que, por sua vez, ajudam a modificar.
Novos pré e probióticos para reforçar a resposta imunitária antitumoral
A importância da microbiota intestinal na modulação da resposta imunitária antitumoral é conhecida há quase 10 anos, mas os mecanismos subjacentes a estes efeitos são ainda mal compreendidos. Durante a primeira sessão do congresso, o Dr. Michael SCharl (Zurique, Suíça) e o Prof. Harry Sokol (Paris, França) apresentaram os seus últimos resultados, que permitiram identificar os candidatos microbiológicos e metabólicos que poderiam ser objeto de terapias combinadas com tratamentos convencionais para estimular a imunidade antitumoral. Ao estudar as diferenças de desenvolvimento tumoral em modelos de ratinhos provenientes de diferentes biotérios, a equipa do Dr. Scharl identificou quatro estirpes bacterianas que, quando administradas isoladamente, reduzem o desenvolvimento tumoral nos ratinhos (Eubacterium hallii, Faecalibacterium prausnitzii, Roseburia intestinalis, Anaerostipes caccae) [1].
Curiosamente, a administração do sobrenadante destas estirpes foi suficiente para estimular a resposta imunitária antitumoral. Entre os mecanismos potencialmente responsáveis por este efeito, foi identificado o metabolismo do ácido 3-OH dodecanoide, abrindo caminho para o desenvolvimento de pós-bióticos específicos.
Em consonância com estes resultados e com o consórcio bacteriano identificado, o Prof. Sokol apresentou um trabalho não publicado que confirma o impacto benéfico da Faecalibacterium prausnitzii na resposta à imunoterapia.
Para além das sessões plenárias científicas, foram organizados vários workshops para proporcionar uma oportunidade de intercâmbio rico com os especialistas. A sessão intitulada «Microrganismos modificados como novos agentes terapêuticos» explorou os atuais avanços e perspetivas no desenvolvimento de novos agentes terapêuticos microbiológicos geneticamente modificados. Durante esta sessão, o Dr. Nicholas Arpaia (Nova Iorque, Estados Unidos) apresentou o desenvolvimento de uma estirpe de Escherichia coli modificada com um ciclo de lise coordenado entre as diferentes bactérias através de um mecanismo de quorum sensing que permite a libertação de um nanoanticorpo (fragmento de anticorpo anti-CD47) que inibe um sinal de tolerância imunitária nos fagócitos [2]. A injeção destas bactérias no local de um enxerto tumoral em ratinhos resultou na eliminação completa dos tumores implantados pelo sistema imunitário através da estimulação da fagocitose, mas também do recrutamento da imunidade adaptativa, sugerindo a geração de uma resposta imunitária antitumoral duradoura. No entanto, o quadro ético e regulamentar para autorizar a avaliação clínica deste tipo de tratamento ainda não está definido, tendo sido objeto de um debate específico durante o resto do seminário.
Transplante de micro- biota fecal: para uma melhor compreensão dos mecanismos subjacentes à sua eficácia
Entre as terapias derivadas da microbiota, o TMF é atualmente o tratamento mais amplamente avaliado na prática clínica em várias indicações. Apesar de um grande número de estudos, os fatores determinantes da eficácia do TMF e o seu mecanismo de ação continuam a ser mal compreendidos. O trabalho apresentado pelo Dr. Gianluca Ianiro sobre a análise combinada de 226 MFT fornece novas perspetivas para a compreensão desta terapia, mostrando que o efeito benéfico da MFT estava correlacionado com a capacidade de enxerto das estirpes do dador no recetor e que isso poderia ser reforçado pela administração prévia de antibióticos para abrir o nicho ecológico intestinal e a combinação de várias modalidades na administração de MFT [3].
Alimentos que preservam a integridade da barreira intestinal
Várias apresentações exploraram também a importância dos fatores alimentares na manutenção da integridade da barreira intestinal e as suas consequências para a saúde, em particular através da manutenção de uma camada impermeável de mucina que protege o epitélio do cólon: uma dieta rica em fibras protegerá a degradação da mucina por Akkermansia muciniphila (apresentação do Dr. Mahesh S. Desai, Luxemburgo). Uma dieta rica em fibras protegerá a degradação da mucina pela Akkermansia muciniphila (apresentação do Dr. Mahesh S. Desai, Luxemburgo), enquanto que certos aditivos alimentares, como a carboximetilcelulose, podem encorajar as bactérias a penetrar na camada de muco em contacto com o epitélio e predispor ao desenvolvimento de colite inflamatória (apresentação do Dr. Benoit Chassaing, Paris, França) [4].
Esta melhor compreensão dos mecanismos subjacentes à eficácia das terapias dirigidas aa microbiota e a complexidade da sua aplicação na prática clínica ilustram a necessidade da emergência de peritos clínicos capazes de desenvolver e aplicar aplicações médicas baseadas na microbiota.
Tal como aconteceu neste 11.º congresso, os simpósios do GMFH, ao criarem um fórum rico e acessível para o intercâmbio entre clínicos e investigadores, estão a contribuir para a emergência deste tipo de especialização, que o Dr. IANIRO, especialista mundial em TMF, propôs agrupar sob o conceito de “clínico do microbioma”. Aguardamos com expectativa a GMFH – World Summit 2024.
1. Montalban-Arques A, Katkeviciute E, Busenhart P, et al. Commensal Clostridiales strains mediate effective anti-cancer immune response against solid tumors. Cell Host Microbe 2021; 29: 1573-88.e7.
2. Chowdhury S, Castro S, Coker C, et al. Programmable bacteria induce durable tumor regression and systemic antitumor immunity. Nat Med 2019; 25: 1057-63.
3. Ianiro G, Punčochář M, Karcher N, et al. Variability of strain engraftment and predictability of microbiome composition after fecal microbiota transplantation across different diseases. Nature Medicine 2022; 28: 1913-23.
4. Chassaing B, Compher C, Bonhomme B, et al. Randomized controlled-feeding study of dietary emulsifier carboxymethylcellulose reveals detrimental impacts on the gut microbiota and metabolome. Gastroenterology 2022; 162: 743-56.