Microbiota de obesos para combater a caquexia do cancro?
Temida entre os pacientes com cancro, a caquexia continua difícil de combater, apesar do tratamento nutricional. E se a flora intestinal de doadores com excesso de peso ou obesos pudesse reverter essa tendência?
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Sobre este artigo
Síndrome multifatorial caraterizada pela perda contínua de massa muscular, a caquexia não pode ser corrigida através de intervenções ao nível nutricional. Gradualmente, ela conduz o paciente a um comprometimento funcional, a uma redução da tolerância aos tratamentos contra o cancro e a uma diminuição do prazo de sobrevivência. Os pacientes com cancro gastroesofágico (GEC) encontram-se particularmente expostos: os seus problemas mecânicos e digestivos induzem a perda de apetite e uma saciedade precoce. Ora, a microbiota intestinal parece desempenhar um papel crucial na regulação de certos aspetos da caquexia do cancro, como a saciedade, o apetite, o metabolismo do hospedeiro, a inflamação sistémica ou a modulação da resposta a certas terapêuticas oncológicas. Essa função será afetada pelo cancro e pela maioria dos tratamentos contra o cancro, que alteram a barreira intestinal. Daí a ideia de se estudar os efeitos de um transplante de microbiota fecal (TMF) para a caquexia em pacientes que sofram de GEC.
Parâmetros avaliados: saciedade, sobrevivência e microbiota intestinal
Este ensaio clínico duplo-cego randomizado foi realizado em 24 pacientes caquéticos com GEC metastizado inoperável que deveriam receber quimioterapia paliativa. Esses pacientes haviam recebido previamente um TMF alogénico (grupo de tratamento; doador saudável com excesso de peso ou obeso) ou autólogo (grupo controlo; doador = paciente). Objetivo principal dos investigadores: avaliar o efeito do TMF na saciedade. Foram também analisadas outras características da caquexia, bem como a eficácia da quimioterapia e a sobrevivência. Por fim, análises exploratórias avaliaram os efeitos do TMF na composição da microbiota intestinal.
Sem impacto na saciedade, efeito benéfico na evolução da doença
Ao contrário do que se esperava, o TMF alogénico de doador obeso saudável não melhorou a saciedade ou a caquexia do recetor antes da quimioterapia. No entanto, ele aparentou ser benéfico no que respeita à evolução da doença: quando comparados com o grupo de controlo, os 12 pacientes do grupo de tratamento tiveram uma melhor taxa de controlo da doença (de acordo com os critérios RECIST) às 12 semanas, e um aumento da sobrevivência, tanto global (365 vs. 227 dias) como sem progressão da doença (204 vs. 93 dias). De facto, o cancro terminou por levar 3 pacientes do grupo de controlo antes do final do estudo, contra nenhum do grupo de tratamento. Finalmente, a microbiota fecal dos pacientes alterou-se após o TMF alogénico, confirmando a assimilação correta do enxerto da microbiota do doador, apesar da quimioterapia. Os investigadores não conseguiram identificar espécies bacterianas intestinais específicas associadas aos resultados da quimioterapia no grupo de tratamento. Serão necessários ensaios de TMF em maior escala. A motivação para esses ensaios continuará a ser a esperança da obtenção de tratamentos personalizados, através da administração de pré e probióticos adaptados especificamente à microbiota do paciente, que aumentem a eficácia dos medicamentos oncológicos.