Acerca do papel das microbiotas vaginal, uterina e intestinal na endometriose
Causa ou consequência? Embora seja difícil responder a esta pergunta, parece que a microbiota intestinal e as microbiotas do aparelho reprodutivo das mulheres que sofrem de endometriose participam na patogénese desta doença grave.
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Sobre este artigo
Doença inflamatória caracterizada pela presença de tecido endométrico no exterior da cavidade uterina, a endometriose (EM) afetará, de acordo com os estudos, 6 a 15% das mulheres em idade fértil. Pode causar dismenorreia primária grave, diminuição da fertilidade e uma massa pélvica, afetando gravemente a qualidade de vida das mulheres. Apesar de ainda não se perceber bem a patogénese da EM, a microbiota poderá estar envolvida. Assim, há hipóteses referentes a endotoxinas inflamatórias, nomeadamente lipopolissacarídeo (LPS) bacteriano, presentes na cavidade peritoneal. Estas endotoxinas inflamatórias poderão participar na resposta pró-inflamatória e promover o crescimento da endometriose1.
Lactobacillus vaginais em regressão
Para aprofundar a "hipótese da contaminação bacteriana", uma equipa colheu microbiota ao longo do trato reprodutivo de 36 mulheres com endometriose (e de 14 controlos) operadas a tumor ginecológico benigno. Resultados? Disbiose cada vez mais pronunciada ao avançar-se no trato reprodutivo, diminuição de Lactobacillus na flora vaginal a agravar-se à medida que se aproxima o endométrio, e (sidenote: Unidades taxonómicas operacionais OTU (operational taxonomic unit), unidades taxonómicas operacionais, reunindo indivíduos filogeneticamente aparentados ) específicas do muco cervical que se reforçam no trato genital superior (amostras do endométrio e fluido peritoneal). Esta alteração da microbiota ao longo do trato reprodutivo sugere a possível participação de algumas bactérias na patogénese da EM.
Qual o papel da microbiota intestinal?
Mas a EM está longe de se limitar apenas a sintomas ginecológicos: até 90% das pacientes com endometriose apresentam também sintomas gastrointestinais.2 Dois estudos, um realizado na Suécia2 (66 pacientes de EM, 198 controlos emparelhados) e o outro em Xangai3 (12 pacientes de EM com casos moderados a graves, 12 controlos), debruçaram-se sobre a relação entre a microbiota intestinal e a EM: a (sidenote: Diversidade alfa Número de espécies coexistentes num determinado meio ) , e, em menor medida, a (sidenote: Diversidade beta Taxa de variação na composição em espécies, calculada comparando o número de táxons únicos em cada ecossistema ) , das floras das pacientes revelou-se inferior à dos controlos. As abundâncias de táxons bacterianos divergiam. Assim, no estudo chinês, o género Prevotella dominava entre as pacientes, enquanto o Coprococcus se impunha nos controlos; certas funções microbianas (processamento das informações ambientais, sistemas endócrino e imunitário) surgiam exacerbadas nas doentes com EM. Os níveis séricos de hormonas, e nomeadamente de estradiol e de fatores inflamatórios (em especial de IL-8) eram significativamente mais elevados nas mulheres com EM.3 Por fim, foram detetadas correlações entre a abundância de Blautia e Dorea e o nível de estradiol, e entre a profusão de Subdoligranulum e a concentração de IL-83. Existirão, por conseguinte, associações entre a microbiota intestinal, as hormonas séricas e os fatores inflamatórios em caso de EM.
Estrogénios ou pista inflamatória?
A EM é uma doença estrogénio-dependente2 e as respetivas pacientes geralmente apresentam níveis séricos elevados de estrogénios.3 Ora, a microbiota intestinal, e nomeadamente, as classes de bactérias Ruminococcaceae e Clostridia, poderão afetar os níveis séricos de estrogénio através da modulação da reabsorção dos estrogénios excretados na bílis e que acabam por penetrar no intestino3. Outros autores mencionam o papel regulador da microbiota intestinal nos processos inflamatórios fora do trato gastrointestinal2. Por outras palavras, embora sejam observadas correlações e sugeridas hipóteses, os mecanismos realmente envolvidos não estão ainda elucidados. O que não invalida o facto de estes três estudos sublinharem o envolvimento das microbiotas dos tratos reprodutivo e digestivo na EM... e permite a esperança de uma melhoria no diagnóstico e na assistência das mulheres afetadas.
1 Wei W, Zhang X, Tang H et al. Microbiota composition and distribution along the female reproductive tract of women with endometriosis. Ann Clin Microbiol Antimicrob. 2020 Apr 16;19(1):15.
2 Svensson A, Brunkwall L, Roth B et al. Associations Between Endometriosis and Gut Microbiota. Reprod Sci. 2021 Aug;28(8):2367-2377.
3 Shan J, Ni Z, Cheng W et al. Gut microbiota imbalance and its correlations with hormone and inflammatory factors in patients with stage 3/4 endometriosis. Arch Gynecol Obstet. 2021 Apr 11.