Abortos espontâneos: uma questão de flora vaginal?
É uma história digna de um conto de fadas: era uma vez, uma jovem que não conseguia ter filhos e sofria repetidos abortos espontâneos, até que recebeu de presente uma doação de microbiota vaginal. Engravidou e levou a gravidez a termo.
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Sobre este artigo
A utilização de qualquer medicamento é altamente regulamentada e requer uma autorização de introdução no mercado (AIM). No entanto, em casos muito raros, é possível beneficiar de uma dispensa de última instância, conhecida por "uso compassivo": esta permite a utilização de medicamentos sem autorização de introdução no mercado para tratar doenças graves ou raras para as quais não existe solução, quando o tempo se torna essencial. Uma jovem mãe de 30 anos, que desde o seu primeiro filho tinha sofrido uma série de abortos espontâneos, alguns deles muito tardios (até 6 meses de gravidez), pôde beneficiar de um transplante de microbiota vaginal através deste mecanismo. Por outras palavras, em setembro de 2021, a flora saudável de outra mulher foi depositada na sua vagina.
Apenas 1 em cada 2 mulheres sabe exatamente o que é a flora vaginal (49%) e apenas 1 em cada 5 mulheres afirma saber o significado exato do termo "microbiota vaginal" (21%).
Um transplante para resolver a disbiose vaginal...
Porquê? Porque esta jovem mãe tinha uma microbiota vaginal muito desequilibrada, dominada não por
(sidenote:
Lactobacilos
Bactérias em forma de bastonete cuja característica principal é a de produzirem ácido láctico. É por essa razão que se fala em “bactérias do ácido láctico”.
Estas bactérias estão presentes no ser humano ao nível das microbiotas oral, vaginal e intestinal, mas também nas plantas ou nos animais. Podem ser consumidas nos produtos fermentados: em produtos lácteos, como o iogurte e alguns queijos, e também em outros tipos de alimentos fermentados – picles, chucrute, etc..
Os lactobacilos são também consumidos em produtos que contêm probióticos, com algumas espécies a serem conhecidas pelas suas propriedades benéficas.
W. H. Holzapfel et B. J. Wood, The Genera of Lactic Acid Bacteria, 2, Springer-Verlag, 1st ed. 1995 (2012), 411 p. « The genus Lactobacillus par W. P. Hammes, R. F. Vogel
Tannock GW. A special fondness for lactobacilli. Appl Environ Microbiol. 2004 Jun;70(6):3189-94.
Smith TJ, Rigassio-Radler D, Denmark R, et al. Effect of Lactobacillus rhamnosus LGG® and Bifidobacterium animalis ssp. lactis BB-12® on health-related quality of life in college students affected by upper respiratory infections. Br J Nutr. 2013 Jun;109(11):1999-2007.
)
benéficos, como acontece numa vagina saudável, mas pela temível bactéria Gardnerella spp., o que explica os seus 9 anos de prurido e de corrimento vaginal abundante, amarelo/verde e fétido, que se agravava durante as suas tentativas de engravidar e que resistiu a todas as tentativas de tratamento...
Gravidez levada a termo
O "transplante" de flora vaginal parece ter-se consolidado muito rapidamente: a disbiose e os seus sintomas desapareceram e os lactobacilos semelhantes aos da dadora colonizaram amplamente a vagina da recetora. Em fevereiro de 2022, a paciente engravidou naturalmente e os lactobacilos continuavam a viver pacificamente na sua vagina. O único problema foi o regresso da Gardnerella spp. na 6ª semana de gravidez. Não houve motivo de preocupação para os investigadores, uma vez que um segundo transplante de microbiota vaginal estava inicialmente previsto para 2 semanas mais tarde..., mas acabou por ser cancelado porque, no dia D, os lactobacilos tinham novamente tomado conta da situação. E como tudo está bem quando acaba bem, no termo dessa gravidez nasceu um menino perfeitamente saudável por cesariana planeada.
Um transplante pode trazer outro...
Já ouviu falar do transplante de microbiota fecal (TMF)? Agora é a vez do transplante de microbiota vaginal! Foi em 2019 que investigadores americanos lançaram as bases para os primeiros ensaios de transplante de microbiota vaginal (TMV) destinado a tratar a vaginose bacteriana. Para testarem a hipótese de que o TMV poderia ser uma opção de tratamento mais eficaz, os cientistas desenvolveram uma abordagem de rastreio universal que envolveu 20 mulheres com idades compreendidas entre os 23 e os 35 anos. Objetivo? Selecionar as dadoras, de modo a encontrar aquelas que apresentavam um risco mínimo de transmissão de agentes patogénicos e uma microbiota vaginal "ótima" para o transplante.
No entanto, é importante não tirar conclusões precipitadas ou acreditar que o transplante de microbiota vaginal é a solução milagrosa para a infertilidade da mulher: este tratou-se apenas um caso, e a paciente também era portadora de outra doença que causa abortos espontâneos e cujo tratamento poderá explicar, total ou parcialmente, o sucesso desta gravidez. Por outras palavras, embora não devamos desprezar os resultados deste estudo de caso, também não devemos cantar a vitória.
Quer se trate de transplante de microbiota vaginal ou de microbiota intestinal, são práticas que podem apresentar riscos para a saúde e devem ser efetuadas sob controlo clínico. Não as reproduza em casa!