As dietas dirigidas à microbiota intestinal modulam o estado imunitário nos seres humanos
Artigo comentado - Fase adulta
Pelo Pr. Harry Sokol
Gastroenterologia e Nutrição, Hospital Saint-Antoine, Paris, França
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Sobre este artigo
Autor
Comentário ao artigo de Wastyk et al. Cell 2021 [1]
A alimentação modula o microbioma intestinal, o que por sua vez pode ter impacto no sistema imunitário. Aqui, os autores determinaram como duas intervenções dietéticas dirigidas à microbiota, uma com enriquecimento de fibras de origem vegetal e outra com alimentos fermentados, influenciam o microbioma humano e o sistema imunitário em adultos saudáveis. Utilizando um estudo prospetivo aleatorizado de 17 semanas (n = 18 por braço) combinado com med ições do microbioma e do hospedeiro, incluindo um perfil imunitário extensivo, os autores identificaram efeitos específicos de cada dieta. A dieta rica em fibras induziu um aumento da abundância das enzimas de degradação de hidratos de carbono codificadas pelo microbioma (CAZymes), apesar de não ter qualquer efeito na diversidade da comunidade microbiana. Embora a pontuação da resposta às citocinas se tenha mantido inalterada, observou se uma resposta «imunológica» à dieta rica em fibras e dependente da microbiota basal. Em contraste, a dieta enriquecida com alimentos fermentados induziu um aumento constante da diversidade da microbiota e diminuiu os marcadores inflamatórios. Estes dados mostram como a associação de intervenções dietéticas com perfis aprofundados e longitudinais do sistema imunitário e do microbioma pode forn ecer informação individualizada e a nível da população. Os alimentos fermentados podem ser úteis para contrariar a diminuição da diversidade do microbioma e o aumento da inflamação omnipresentes na sociedade industrializada.
O que é que já sabemos sobre isto?
A ligação entre a alimentação e a microbiota nos seres humanos foi demonstrada de muitas maneiras, incluindo a correlação dos hábitos alimentares com a diversidade ou a composição da microbiota [2]. Por outro lado, as alterações a curto prazo na dieta alteram rapidamente a microbiota intestinal humana [3]. Uma vez que a microbiota desempenha um papel importante na biologia humana, a sua manipulação, particularmente através de intervenções nutricionais, poderia ser um poderoso meio de alterar vários aspetos da saúde. Uma questão chave é se podem ser feitas recomendações alimentares gerais (em vez de personalizadas) com base nas interações microbiota-hospedeiro existentes para melhorar a saúde das populações. Muitas doenças crónicas não transmissíveis, que estão a aumentar rapidamente com a industrialização, estão ligadas à inflamação crónica. Do mesmo modo, as alterações na microbiota intestinal associadas à industrialização estão também bem documentadas. Dada a influência da microbiota no estado inflamatório, é concebível que uma dieta a ela dirigida possa mitigar a inflamação sistémica. Uma grande quantidade de publicações apoia o papel das fibras na saúde, particularmente através da estimulação da diversidade da microbiota e do papel positivo dos ácidos gordos de cadeia curta que são um produto da sua fermentação pela microbiota. O enriquecimento da dieta com fibras tem um impacto na microbiota e melhora os marcadores de saúde [4]. Estes resultados e a ingestão insuficiente de fibras na dieta média ocidental sugerem que a ingestão de fibras pode ser uma forma de modular o sistema imunitário humano através da microbiota. Vários relatórios sugerem que os alimentos fermentados, como kombucha, iogurte e kimchi, podem ter benefícios para a saúde, nomeadamente na manutenção do peso e na redução dos riscos de diabetes, cancro e doenças cardiovasculares [5].
PONTOS CHAVE
- O estudo por métodos multiómicos sobre os efeitos da intervenção nutricional revela as ligações entre alimentação, microbiota e imunidade
- Uma dieta rica em fibras leva a alterações funcionais da microbiota e a uma resposta imunitária dependente da microbiota basal
- Uma dieta rica em alimentos fermentados induz um aumento da diversidade da microbiota e diminui os marcadores inflamatórios sistémicos
Quais são as principais conclusões deste estudo?
Para examinar o efeito da dieta no microbioma e no sistema imunitário, foram recrutados adultos saudáveis para participar numa intervenção dietética de 10 semanas (18 sujeitos por grupo). Os participantes receberam uma dieta rica em fibras (em média, um aumento de 21,5 ± 8,0 g por dia para 45,1 ± 10,7 g por dia) ou uma dieta rica em alimentos fermentados (em média, um aumento de 0,4 ± 0,6 para 6,3 ± 2,9 porções por dia). Surpreendentemente, a dieta rica em fibras não levou a um aumento da diversidade da microbiota (Figura 1A), possivelmente devido a uma capacidade insuficiente da microbiota dos participantes para degradar os hidratos de carbono. No entanto, houve um aumento da abundância das enzimas de degradação dos hidratos de carbono. Foi observada uma diminuição dos ácidos gordos de cadeia ramificada (ácido isobutírico, isovalérico e valérico), embora não tenha sido possível determinar se tal se deveu a uma alteração funcional da microbiota ou a uma diminuição do consumo de produtos lácteos e de carne de bovino, que contêm níveis elevados destas moléculas. Foi observado um efeito da dieta no perfil imunitário que dependia da microbiota basal dos participantes.
Ao contrário da dieta rica em fibras, a dieta rica em alimentos fermentados induziu um aumento da diversidade da microbiota (Figura 1B). Este aumento não esteve principalmente relacionado com a colonização das bactérias probióticas consumidas, mas sim com a aquisição de novas bactérias ou a expansão de determinadas bactérias endógenas. Por último, o consumo de alimentos fermentados levou a uma diminuição do nível inflamatório sistémico com a diminuição de várias citocinas, quimiocinas e outras proteínas séricas inflamatórias, incluindo a interleucina (IL)-6, IL-10 e IL-12b.
Quais são as consequências práticas?
Este estudo mostra que a alimentação tem efeitos profundos na microbiota intestinal e na fisiologia do hospedeiro, o que confirma o seu papel na saúde e o seu papel potencial na prevenção das doenças. Uma dieta rica em fibras e enriquecida com alimentos fermentados tem efeitos muito diferentes. A melhor definição dos efeitos da alimentação na microbiota e na fisiologia do hospedeiro permitirá implementar estratégias preventivas ou terapêuticas a nível populacional, mas também a nível individual.
Conclusão
Este estudo prospetivo aleatorizado que avalia o efeito de uma dieta enriquecida com fibras ou alimentos fermentados mostra efeitos específicos de cada tipo de dieta na microbiota e na imunidade do hospedeiro. Isto confirma o papel fundamental da alimentação na saúde, particularmente através dos seus efeitos na microbiota intestinal.
1 Wastyk HC, Fragiadakis GK, Perelman D, et al. Gut-microbiota-targeted diets modulate human immune status. Cell 2021 ; 184 : 4137- 4153.e14.
2 Smits SA, Leach J, Sonnenburg ED, et al. Seasonal cycling in the gut microbiome of the Hadza hunter-gatherers of Tanzania. Science 2017 ; 357 : 802-6.
3 David LA, Maurice CF, Carmody RN, et al. Diet rapidly and reproducibly alters the human gut microbiome. Nature 2014 ; 505 : 559-63.
4 Martinez I, Lattimer JM, Hubach KL, et al. Gut microbiome composition is linked to whole grain-induced immunological improvements. ISME J 2013 ; 7 : 269-80.
5 Mozaffarian D, Hao T, Rimm EB, et al. Changes in diet and lifestyle and long-term weight gain in women and men. N Engl J Med 2011 ; 364 : 2392-404.