Hepatite alcoólica: rumo a novos alvos fúngicos?
Um estudo internacional mostrou que uma disbiose intestinal fúngica poderá estar envolvida na fisiopatologia da hepatite alcoólica. Esta descoberta poderá conduzir a novos tratamentos e instrumentos de prognóstico.
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Sobre este artigo
A doença hepática alcoólica está associada a uma elevada taxa de mortalidade e a poucas inovações terapêuticas e prognósticas. O papel da relação entre o intestino e o fígado foi recentemente evidenciado nas complicações do alcoolismo, especialmente através da translocação das bactérias intestinais para o fígado. Poderá a disbiose fúngica estar também envolvida?
Proliferação de Candida albicans
Com base numa coorte norte-americana e europeia, uma equipa internacional estudou a microbiota intestinal de 59 doentes com hepatite alcoólica, 15 doentes com problemas de consumo de álcool* (em diferentes fases de lesão hepática), bem como 11 indivíduos controlo. Observou-se uma clara proliferação de Cândida em ambos os grupos de doentes, bem como uma menor diversidade e quantidade de fungos em comparação com o grupo controlo, onde o Penicillium era dominante. Além disso, foi estabelecida uma correlação entre a microbiota intestinal e os parâmetros clínicos: a Candida foi associada a um aumento da fibrose pericelular, enquanto o Penicillium foi associado a uma redução da inflamação e diminuição dos corpos de Mallory**.
Resposta imunitária mais elevada
Os anticorpos anti-Saccharomyces cerevisiae (AASC) foram doseados para detetar uma potencial resposta imunitária às espécies fúngicas, especialmente à Candida albicans. Os níveis de AASC foram significativamente mais elevados no grupo de doentes com hepatite alcoólica, em comparação com os dois outros grupos: os autores acreditavam que isto poderia ser explicado por uma combinação de níveis aumentados de Candida e de fagocitose fúngica alterada. Esta combinação conduz a uma resposta imunitária mais elevada, ao contrário dos indivíduos com abuso de álcool, em que a fagocitose é mantida. Além disso, os níveis de AASC e a taxa de mortalidade estavam relacionados: a partir de 34 IU/ml, a mortalidade aos 90 e aos 180 dias era significativamente mais elevada, independentemente de outros fatores como o uso de corticosteroides ou de pentoxifilina (tratamento de referência), a pontuação MELD***, ou a taxa de translocação bacteriana.
Novas opções terapêuticas no horizonte
Outros estudos mostraram que os doentes cirróticos estão expostos a um risco acrescido de desenvolver infeções fúngicas. A aspergilose foi uma complicação frequente e frequentemente mortal em doentes com hepatite alcoólica. Segundo os autores, a microbiota intestinal é um potencial alvo terapêutico que deve ser explorado. O mesmo se aplica aos níveis de AASC combinados com a pontuação MELD, o que poderia melhorar o diagnóstico no que diz respeito ao risco de mortalidade. Até lá, estes resultados precisam de ser confirmados, uma vez que o número de participantes neste estudo foi relativamente baixo e a utilização de antibióticos por alguns deles poderá ter influenciado a composição da sua microbiota intestinal.
*No estudo, o consumo problemático de álcool em doentes com hepatite alcoólica foi definido como superior a 50 g/dia para os homens e 40 g/dia para as mulheres nos últimos três meses; o consumo não problemático de álcool é geralmente definido como inferior a 20 g/dia.
**agregados residuais de microfilamentos secundários à toxicidade do álcool e dos seus metabolitos.
***Modelo para doença hepática em fase terminal: pontuação prognóstica de referência baseada na INR (um índice representativo do tempo de protrombina), bilirrubina sérica e creatinina sérica.