Enterocolite necrosante do recém-nascido: leite materno e microbiota intestinal, virtudes na proteção?
A composição do leite materno humano e o desenvolvimento da microbiota intestinal nas primeiras semanas de vida parecem estar intrinsecamente ligados, e ambos influenciam o risco de ECN nos prematuros.
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Sobre este artigo
Principal causa de morte e de morbilidade grave nos prematuros nascidos antes das 32 semanas de gestação, a enterocolite necrosante (ECN) é uma doença gastrointestinal complexa. Os seus mecanismos subjacentes continuam mal compreendidos, e o diagnóstico é difícil devido à ausência de sintomas e de testes específicos. No entanto, alguns oligossacarídeos do leite materno ( (sidenote: Human Milk Oligosaccharide ) ), com destaque para o disialilacto-N-tetraose (DSLNT), parecem ter ação protetora. Daí este estudo, que visou as interações entre o perfil dos HMO maternos e o desenvolvimento da microbiota intestinal dos lactentes, e a respetiva relação com a ocorrência de ECN.
Leite materno: um limiar de oligossacarídeos crítico
A concentração de um único oligossacarídeo, o DSLNT, revela-se inferior no leite materno recebido pelos 33 bebés com ECN relativamente aos 37 controlos correspondentes. Um limiar de 241 nmol/ml permite a previsão de ECN nestas crianças (sensibilidade e especificidade de 0,9); numa coorte de validação, 100% das crianças com ECN encontram-se devidamente classificadas, contra apenas 60% dos controlos. No entanto, a coorte do estudo era demasiado homogénea, apresentando uma sobrerrepresentação de indivíduos caucasianos. Além disso, o limiar observado pode ser influenciado por fatores genéticos, geográficos, étnicos ou sazonais, o que enfatiza a necessidade de estudos multicêntricos adicionais.
Evolução atrasada da microbiota
Além disso, a sequenciação metagenómica das fezes (n = 644) de um (sidenote: Sequenciação limitada a 48 lactentes por razões financeiras, múltiplas amostras colhidas de cada criança ) (14 com ECN, 34 controlos) destaca uma menor abundância relativa de Bifidobacterium longum e uma maior abundância de Enterobacter cloacae nos recém-nascidos doentes. O desenvolvimento da microbiota é afetado por uma baixa concentração de DSLNT no leite materno: esta parece atrasar a evolução da microbiota para os tipos de comunidades microbianas tipicamente observados nos lactentes com mais idade, mas está também associada a uma presença relativa mais reduzida da espécie Bifidobacterium, a qual se encontra normalmente relacionada com o bom estado de saúde dos bebés prematuros.
Amanhã, biomarcadores e probióticos?
Por fim, uma análise de dados confirma a possibilidade de se identificar os lactentes em risco de ECN em função da composição do leite materno que recebem, critério este que suplanta ligeiramente os perfis metagenómicos da microbiota. A combinação destes dois critérios ( (sidenote: A concentração de DSLNT no leite materno revela-se relativamente estável ao longo do tempo ) + metagenoma antes da doença) permite distinguir as crianças saudáveis das crianças com ECN com uma precisão de 87,5%.
Estes resultados oferecem potenciais alvos para o desenvolvimento de biomarcadores, a estratificação do risco de doença e estratégias de modulação da microbiota que possam prevenir a ECN do recém-nascido. No entanto, continuam a ser necessários mais estudos, nomeadamente para a compreensão dos mecanismos subjacentes: será que a ação do DSLNT se limita à modulação da microbiota? Ou verifica-se diretamente no hospedeiro, modificando a resposta imunitária e reduzindo a inflamação que conduz à necrose?