Quando as bactérias da microbiota intestinal armazenam medicamentos
A bioacumulação de medicamentos pelas bactérias intestinais modifica a sua disponibilidade e a secreção bacteriana de metabólitos. Com o desfecho possível de disbioses e implicações em termos de farmacocinética, efeitos secundários e reações a medicamentos.
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Sobre este artigo
Sabemos que os medicamentos afetam a microbiota intestinal. Mas sabia que também existem interações no sentido inverso? Com um resultado positivo ou negativo na eficácia dos medicamentos. Por exemplo, a lovastatina e a sulfassalazina são transformadas quimicamente pelas bactérias intestinais nas respetivas formas ativas, enquanto a digoxina é inativada pelo metabolismo bacteriano. Recentemente, foram sinalizadas mais de 100 moléculas como sendo afetadas pela microbiota intestinal. E, segundo os resultados de uma equipa de investigação, os mecanismos em jogo estão longe de se limitarem à biotransformação…
Biotransformação e, acima de tudo, bioacumulação
O estudo em causa analisou a fundo as interações entre 25 estirpes representativas das bactérias intestinais humanas e (sidenote: 12 moléculas administradas por via oral e 3 testemunhas: a digoxina (interação altamente específica com Eggerthella lenta), o metronidazol e a sulfassalazina, medicamentos conhecidos por serem metabolizados por diversas bactérias intestinais ) . Os resultados? As culturas in vitro dos 15 × 25 = 375 duos de bactérias e medicamentos identificam 70 interações entre bactérias e medicamentos, das quais 29 (18 espécies, 7 medicamentos) eram desconhecidas até então. Em particular, apenas 12 das 29 novas interações são explicadas por fenómenos de biotransformação. Todas as restantes, ou seja, 17 interações (14 espécies, 4 medicamentos), têm por base a bioacumulação: as bactérias armazenam o medicamento na sua célula sem o modificar e, na maioria dos casos, sem incidência no crescimento da bactéria. Na lista de medicamentos exclusivamente bioacumulados, destacamos a (sidenote: Duloxetina Antidepressivo inibidor da recaptura da serotonina e da noradrenalina ) e o antidiabético rosiglitazona. Contudo, a bioacumulação não é sistemática. Determinadas moléculas (montelucaste, roflumilaste) podem ser bioacumuladas por determinadas espécies bacterianas, biodegradadas por outras.
O caso da duloxetina
A título de exemplo, a equipa aprofundou o estudo da bioacumulação da duloxetina. Esta liga-se a diversas enzimas bacterianas e modifica a secreção de metabólitos pelas bactérias afetadas. Quando testada numa comunidade microbiana de 4 (sidenote: 4 espécies bacterianas Bacteroides thetaiotaomicron, Eubacterium rectale, Lactobacillus gasseri, Ruminococcus ) contendo, alternadamente, bactérias acumuladoras e não acumuladoras, a duloxetina modifica significativamente a composição da comunidade. De facto, a bioacumulação deste medicamento implica, além do armazenamento do medicamento nocivo para determinadas bactérias, a secreção de metabólitos por determinadas espécies (Streptococcus salivarius) que vão agir como substrato de acolhimento para outras (Eubacterium rectale), aumentando assim a sua abundância significativamente. Assim, os medicamentos destinados a pessoas parecem ser capazes de modular as comunidades microbianas intestinais, não só pela inibição direta, mas também através da criação de sinergias de alimentação cruzada. Os resultados foram confirmados de acordo com o modelo Caenorhabditis elegans: as bactérias bioacumuladoras reduzem o efeito da duloxetina no movimento deste verme.
Os resultados deste estudo indicam que a bioacumulação de medicamentos no seio das bactérias intestinais modifica a sua disponibilidade e o metabolismo bacteriano. Tal pode levar a repercussões individuais no seio da composição da microbiota intestinal, mas também na farmacocinética e na reação a medicamentos. Os autores sugerem a criação sistemática de estudos das interações recíprocas entre as bactérias e os medicamentos para estimar mais corretamente os efeitos secundários.